quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Entenda a Deterioração das Empresas Brasileiras(Tiago Reis)

Um dos múltiplos acompanhados por analistas para verificar se uma empresa está barata é a relação Preço/Valor Patrimonial por ação. Atualmente, é possível encontrar muitos casos de empresas com esta relação abaixo de 1, o que indicaria ser possível adquirir ações abaixo do valor investido na empresa.
Olhando apenas este indicador, poderíamos nos iludir e cair em uma armadilha, acreditando termos encontrado uma empresa com grande potencial de apreciação quando, na verdade, o que ocorreu foi uma perda na sua capacidade de gerar lucros a partir desse patrimônio investido. Esta relação do Lucro Líquido/Patrimônio Líquido é conhecida pela sua abreviação do termo em inglês Return On Equity (ROE).

Após a crise de 2008, muitas empresas americanas se dedicaram a aumentar sua eficiência e cortar custos para que seus lucros continuassem a crescer em um ambiente econômico desafiador. Assim, os lucros corporativos medidos como percentual do PIB estão na máxima dos últimos 30 anos, demonstrando que a tarefa de aumentar a produtividade das empresas foi bem executada:

Relação do Lucro das Empresas em relação ao PIB Americano¹
No Brasil aconteceu o contrário: houve uma grande queda no ROE das empresas abertas. O gráfico a seguir mostra que o ROE médio apresentou crescimento entre 2004 e 2008, sofreu pouco com a crise de 2009 e vem caindo desde então:

ROE de todas as empresas abertas no Brasil
Os fatores que levaram a essa queda podem ser estruturais ou pontuais; assim, é importante analisar cada caso. Podemos citar alguns exemplos mais impactantes pelo tamanho que alguns setores ocupam entre as empresas listadas. São eles:

Commodities: Dentre as empresas de commodities destaco Petrobrás, Vale e siderúrgicas. Esses três casos possuem baixo múltiplo Preço/Valor Patrimonial, porém históricos e perspectivas diferentes. A Petrobrás é uma empresa em um setor cíclico, que deveria possuir uma rentabilidade altamente relacionada ao preço do petróleo. Por questões de governança, no entanto, sua rentabilidade futura é incerta. As empresas siderúrgicas desfrutaram de uma boa fase quando o preço do aço acompanhou o crescimento chinês, porém sofrem agora com baixas nos seus preços por excesso de capacidade em escala mundial. É possível que o período de excesso de capacidade ainda dure bastante tempo.
 
A Vale é uma empresa de commodities com uma vantagem competitiva, o menor custo do minério, e está bem colocada em relação às suas concorrentes. Assim, vejo a Petrobrás como uma empresa com muitas incertezas, as siderúrgicas como empresas que devem, na média, demorar algum tempo para voltar a apresentar rentabilidade próxima ao seu custo de capital ao longo do tempo e, finalmente, a Vale que deve continuar a apresentar uma rentabilidade acima do custo de capital, porém com alguma volatilidade nas margens, por conta da natureza cíclica de seu negócio.

Bancos: O setor de bancos, no Brasil, aproveitou a era de juros altos de 1996 até 2006. Desde então, com a queda dos juros e pressão competitiva dos bancos públicos, houve queda no ROE do setor; apesar disso, alguns bancos privados conseguem operar com ROE acima do custo de capital e, caso consigam implementar melhores políticas de eficiência, será possível melhorar ainda mais sua rentabilidade. Os bancos mais bem geridos e alinhados com os interesses de seus
acionistas devem continuar a apresentar rentabilidade acima do custo de capital.
Empresas elétricas: Como parte da estratégia de diminuição de custos para os consumidores, o governo foi mais rígido do que no passado em relação a revisões tarifárias, diminuindo o ROE das empresas até alcançar o custo de capital (ou abaixo), revertendo a alta rentabilidade nos anos anteriores. As perspectivas do setor se tornaram piores nos últimos dois anos, praticamente impossibilitando a geração de retornos acima do custo de capital.
Devemos considerar que o movimento de deterioração da rentabilidade não foi generalizado, sendo que algumas empresas continuaram a apresentar rentabilidade elevada, bastando ter uma estratégia e execução focadas em geração de valor e não se situando em setores que sofrem fortes intervenções governamentais. É importante não se prender a grandes empresas numa falsa ideia de que estas são as melhores oportunidades e observar empresas que estão fora do Ibovespa.

Vemos o múltiplo de Preço/Valor Patrimonial como tendo sua utilidade para efeitos de comparação, mas é necessário buscar empresas que alinhem um baixo múltiplo com uma boa rentabilidade ou, no mínimo, um potencial de recuperação de rentabilidade. Aliar baixo preço a uma elevada qualidade da administração e do negócio de uma empresa é uma boa medida para evitar as chamadas "armadilhas de valor", que podem parecer
ser uma barganha, porém acabam saindo caro.

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