quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Afinal, há ou não uma bolha imobiliária no Brasil? – Fabio Portela

Tenho falado que o Brasil está criando as condições para uma bolha imobiliária desde o fim de 2009. De lá pra cá, me acostumei com as críticas que venho sofrendo, e que consistem em vários tipos de acusação. Já me acusaram de querer aparecer, de desejar estimular o pânico no mercado ou (pasmem!) de estar com inveja de quem lucrou nesse mercado. Alguns disseram que errei feio, pois estou falando do assunto desde 2009 e até agora “nada aconteceu”. Outros dizem que minhas previsões se mostraram acertadas. Acredito que muitas das acusações (e até alguns dos elogios) derivam de uma compreensão equivocada do que tenho chamado de bolha imobiliária durante todo esse tempo.

Recapitulando: o que é uma bolha?

A maior parte das pessoas acredita que uma bolha ocorre quando há uma queda generalizada nos preços. Mas isso não é necessário: é perfeitamente possível viver anos a fio com uma bolha que não “estoura”.  É possível viver o crescimento e o estouro de uma bolha em menos de 6 meses – às vezes, até mesmo em algumas semanas.
Repetindo o que já disse em outro post há algum tempo, uma bolha não é definida pela queda nos preços. Ela é definida pelo deslocamento entre o preço de mercado de um ativo e a sua rentabilidade. Quando falo em rentabilidade, estou me referindo à relação entre a renda gerada pelo ativo e o seu preço de mercado. Quando um apartamento pode ser alugado por R$ 2.000 por mês e custa R$ 200.000, sua rentabilidade bruta é de 1% ao mês, ou 12% ao ano (R$ 2.000 x 12 = R$ 24.000,00 por ano de aluguel). Quando o preço dele sobe para R$ 800.000,00 e o aluguel para R$ 3.000,00, a rentabilidade bruta mensal passa a ser de 0,375% ao mês, ou 4,5% ao ano.
Em um cenário de taxa de juros de 9,50% ao ano, 12% é excelente. As pessoas passam a ter muito incentivo para comprar imóveis, porque a taxa de retorno é muito melhor do que qualquer outra aplicação no mercado. Mas 4,5% é ridículo. A não ser que os preços subam, não haverá qualquer incentivo financeiro para ter um imóvel. Se as pessoas forem racionais, venderão os imóveis para investir em aplicações financeiras.
A grande questão, aqui, é o pressuposto de racionalidade. “Se as pessoas forem racionais” e os preços estiverem muito acima do razoável, é plausível afirmar que a tendência é alta de os preços despencarem até o ponto de equilíbrio em que ter um imóvel garante uma renda compatível com o nível geral da taxa de juros. Mas a grande questão é que normalmente as pessoas não são tão racionais assim. Muitas querem ter um imóvel para dizer que não dependem de aluguel, para dizer que têm um cantinho só seu, ou para tirar onda. Cada um tem seus motivos. E acabam tomando decisões financeiramente ruins porque levam em conta fatores outros que não apenas o estritamente financeiro.
Isso é errado? Não. É por conta desses fatores que bolhas podem persistir por anos a fio, inabaladas. Mas nem por isso não significa dizer que elas estão lá, aguardando alguma coisa acontecer para que finalmente mostrem seu potencial de dano. Pode ser uma mudança na taxa de juros, um boom no mercado de ações que leve as pessoas a venderem seus imóveis para ganhar mais dinheiro no mercado, uma nova região sendo construída em uma cidade e que acaba atraindo as pessoas para comprarem imóveis lá e venderem suas residências originais. Ou pode acontecer de as pessoas finalmente se darem conta de que pode fazer mais sentido viver de aluguel do que ter um imóvel. Whatever.

Porque acredito que há uma bolha imobiliária no Brasil?

No início, comecei a escrever sobre o tema “bolha imobiliária” por analisar a situação em minha cidade, Brasília. Analisei basicamente dois vetores naquele momento: a renda média da população da cidade e a rentabilidade do aluguel em relação aos preços dos imóveis. Não fazia sentido apartamentos horrorosos custarem meio milhão de reais naquela época. Eu não conseguia enxergar quem poderia, com a renda média da cidade, financiar tantos apartamentos de R$ 2, R$ 3 milhões. Eram centenas à venda.
Depois, pouco a pouco percebi que o problema não era só em Brasília, mas em todo o país. Evidentemente, logo me veio à tona o ocorrido nos EUA em 2008. Jamais achei que exatamente o mesmo pudesse acontecer aqui, porque não temos tantos derivativos atrelados ao mercado imobiliário, e mesmo os que temos não estão tão difundidos na nossa economia. Mas eu jamais disse também que nossa bolha era igual à deles. Nossa bolha derivou de vários outros fatores: assim como lá, diminuímos muito nossos juros nos últimos anos. Ampliamos o acesso ao crédito imobiliário. Estimulamos as pessoas a se endividarem bastante, apesar dos juros ainda altos. Várias empresas do setor se capitalizaram no mercado de ações e, com o dinheiro, conseguiram impulsionar enormemente suas atividades.
Com isso tudo, os preços dos imóveis se descolaram de sua relação com o aluguel e da renda da população.

Quais as evidências de que há uma bolha imobiliária no país?

É nisso que minha tese sobre a bolha se apoiou. E, pior, há vários indícios de que eu estava certo. Não por ser um “chute”, como alguns disseram. Eu nunca dei prazo – 2014, 2020 ou 2030. Bolhas podem durar décadas, se as pessoas deixarem as considerações financeiras de lado. Mas… praticamente todo dia pululam notícias sobre como o mercado imobiliário brasileiro está desaquecido. Em praticamente todo canto, as vendas diminuíram, o número de unidades lançadas despencou, e as empresas que entraram no mercado de ações mostram um balanço pior que o outro, trimestre após trimestre. A quantidade de distratos já é bastante elevada, porque as pessoas não estão em condições de honrar com as condições draconianas do financiamento. São várias as notícias de atraso absurdo na entrega de obras, ou até mesmo de não entregá-las.
Procure no Youtube. São várias as histórias como as seguintes:


E, embora muita gente ainda negue, já há vários locais em que os preços começaram a cair. No setor Noroeste e em Águas Claras, no Distrito Federal, isso já é visível. Em outros lugares, as construtoras mascaram as quedas, chamando-as de “descontos”. Desconto de até 30% sobre o preço anunciado? Conta outra! Não tô falando de jujuba, mas de apartamentos de R$ 800.000,00, R$ 1.000.000,00, com 30% de desconto! Isso significa que você pode comprar por R$ 700.000,00 um apartamento anunciado por R$ 1.000.000,00. Alguém já te deu R$ 300.000,00 de lambuja na vida? Pra mim, nunca…
Por que bato tanto na mesma tecla? Porque, mesmo que os efeitos de um eventual estouro não sejam tão ruins quanto o da bolha americana, eles podem afetar bastante a todos nós – investidores do mercado imobiliário ou não. Muitos foram os empregos criados no setor imobiliário, e muita gente investiu todas as suas economias para comprar a casa própria. Uma crise generalizada no setor pode levar muita gente que comprou imóveis na planta a jamais ver a casa própria ou ter de volta o dinheiro investido. Pode levar a forte aumento nos índices de desemprego e a outros efeitos muito danosos para a economia.
E o que o governo faz? Finge que o problema não existe e bota mais gasolina na fogueira. Recentemente, aumentou o limite de uso do FGTS para compra de imóveis de R$ 500 mil para R$ 750.000 em algumas cidades. Isso pode dar mais combustível ainda para o aumento dos preços. Na ponta contrária, os juros continuam a aumentar, e logo os juros do financiamento imobiliário deverão seguir esse caminho. Sinais contraditórios que tornam difícil a previsão do rumo dos preços nos próximos meses.
Não sou astrólogo, e não digo se a coisa vai estourar agora ou daqui a 10 anos. Pode ser que as recentes quedas sejam um simples ajuste. Ou pode ser que não; pode ser que sejam o início de um longo e doloroso processo de desinflamento.
Minha única certeza, qualquer que seja o cenário, é de que vivemos sim uma época em que os preços são injustificados. Agora estou vivendo em Boston, para fazer parte de meu doutorado, e andei pesquisando os preços de alguns imóveis perto de Harvard e do MIT. Para minha surpresa, muitos estão com preços relativamente compatíveis com os de Brasília, onde as melhores universidades são a Universidade de Brasília (que é espetacular para os padrões brasileiros, mas ainda muito inferior ao padrão das universidades que mencionei) e o UniCeub. Faz sentido para você?

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