Uma hora depois de receberem uma droga denominada TGN1412, os voluntários estavam com dores no corpo, náuseas, vomitando, e com diarreia. A pressão arterial caiu. O ritmo dos batimentos cardíacos aumentou. Manchas vermelhas apareceram em todo o corpo. Quatro horas depois veio a dificuldade para respirar. Tiveram de ser entubados e ligados a respiradores artificiais. Em 12 horas estavam na UTI. E o pior estava por vir. Múltiplos órgãos deixaram de funcionar e os voluntários foram conectados a máquinas de diálise. A circulação do sangue foi ficando difícil à medida em que o sangue parecia vazar das veias. As alterações foram rápidas e profundas e todos receberam transfusões. Estavam confusos, com a memória e o raciocínio alterados. O acúmulo de líquidos foi tão grande que familiares relataram ter sido quase impossível reconhecer o rosto dos jovens. A descrição do que ocorreu nas semanas seguintes só deve ser lida por pessoas com estômago forte. Após semanas de luta, os médicos salvaram os voluntários, que além de danos em vários órgãos, saíram do hospital sem os dedos das mãos e dos pés. Haviam necrosado e tiveram de ser amputados.
O que teria dado errado? Centenas de testes clínicos são feitos todos os anos e nunca um problema como esse havia ocorrido. Hoje, sete anos depois, sabemos o que causou o problema: os macacos não são suficientemente parecidos com um ser humano.
Esse episódio foi investigado nos seus mínimos detalhes. A causa de todos os sintomas foi uma liberação massiva de citokinas, induzida pelo TGN1412 (hoje chamamos esse fenômeno de tempestade de citokinas). Ficou comprovado que o remédio não estava contaminado e o que foi injetado nos pacientes era exatamente a mesma molécula que havia sido testada anteriormente em animais.
Mas por que essa tempestade de citokinas não foi detectada nos testes pré-clínicos, feitos em animais? Os resultados em animais foram reexaminados para verificar se teria havido falsificação ou omissão de dados pela companhia farmacêutica que desenvolveu a droga. Não houve. Todos os experimentos feitos em animais puderam ser repetidos.
O TGN1412 tinha sido testado em ratos e camundongos e este efeito colateral não tinha sido observado. Os cientistas também acharam prudente fazer os testes em um outro mamífero. Apesar de os cachorros serem muito parecidos com os seres humanos, foi decidido que o TGN1412, que agia sobre o sistema imunológico, deveria ser testado em macacos, o mamífero mais semelhante ao ser humano. Isso foi feito. De novo, nenhum problema. Finalmente, antes de injetar em seres humanos, foram feitos testes em células humanas isoladas, onde também não foi detectado o fenômeno.
Com base em todos esses testes, as agências governamentais autorizaram os testes iniciais em seres humanos. Os voluntários foram recrutados. Os resultados dos estudos pré-clínicos foram explicados a eles, que assinaram um termo de consentimento e entraram sorridentes no hospital.
Durante os últimos seis anos, os cientistas descobriram por que o TGN1412 não provoca a tempestade de citokinas em macacos ou roedores. Mas isso era impossível de prever antes do acidente. A verdade é que nunca é possível prever, com certeza absoluta, a reação de um ser humano a uma nova droga. É por isso que os voluntários são necessários. Para cada remédio que está nas farmácias existe um grupo que tomou a droga pela primeira vez.
Mas se é impossível prever, com centenas de novas drogas sendo testadas todos os anos, por que episódios como esses não ocorrem com mais frequência? A resposta é simples: eles ocorrem. Mas geralmente durante os testes em ratos, cães ou macacos. Sempre que essas reações extremas são detectadas em animais, o desenvolvimento da droga é suspenso e ela nunca chega a ser testada em humanos.
Para a maioria das novas drogas, o organismo de um rato, de um cão ou de um macaco é suficientemente parecido com o de um ser humano. O que permite aos cientistas detectar o problema antes de testar a nova droga em seres humanos. Deveríamos agradecer à evolução o fato de não sermos os únicos mamíferos a habitar o planeta.
Caso os testes em animais sejam abolidos, só restam duas alternativas: testar novas drogas diretamente em seres humanos ou abandonar o desenvolvimento de novos medicamentos.
Esse exemplo mostra quão irreal é a ideia de que esses testes possam ser feitos em computadores ou em animais menos “nobres”, como moscas ou vermes. Você aceitaria ser voluntário no primeiro teste clínico de uma droga que só tivesse sido testada em uma barata?
A verdade é que qualquer droga altera o funcionamento do organismo, e é natural que grande parte desses compostos apresente efeitos colaterais. E mesmo remédios aprovados e utilizados por todos nós apresentam riscos e efeitos colaterais (você já leu uma bula?). Quanto mais próxima do homem for a espécie animal usada nos experimentos, melhor será a chance de prever os efeitos de uma nova droga em seres humanos.
Por outro lado, quanto mais próxima de nós for a espécie utilizada nos estudos, maior será nossa ligação afetiva, e mais penosos serão os experimentos e o sofrimento por eles causados. É por isso que, apesar de necessários, esses experimentos devem ser feitos com moderação e respeito pelos animais. Mas não se iluda, dificilmente eles poderão ser abolidos.
Eu devo um agradecimento aos invasores do instituto de pesquisa que “resgataram” os beagles. Foi observando os seus dedos envolvendo os simpáticos cães que me lembrei desse evento de 2006.
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