sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Os cupins: o coletivismo contra a liberdade individual (RC)


“Os problemas sociais têm origem no fato de os indivíduos serem diferentes, serem egoístas e, ainda assim, desejarem viver juntos e em liberdade.” (Og Francisco Leme)
Um dos maiores liberais que o Brasil já teve foi Og Francisco Leme, cujo legado, através de sua ativa participação no Instituto Liberal, gera efeitos positivos até hoje. Sua forma clara de escrever, com notória objetividade, possibilitou que muitos pudessem finalmente compreender a essência do liberalismo. Seu livro mais famoso chama-se Entre os Cupins e os Homens, de onde boa parte do conteúdo abaixo foi retirada.
Logo no começo, Og Leme define liberdade de acordo com seu conceito negativo, como ausência de coerção. Coerção, por sua vez, é “tudo aquilo que obriga o indivíduo a fazer ou deixar de fazer algo que espontânea e normalmente, em face de seus interesses pessoais, não faria ou não deixaria de fazer”. Como o Estado representa a concentração de poder coercitivo, o pensamento liberal automaticamente assume que quanto menos Estado, melhor.
A visão de mundo do autor encara o homem tanto como ser social como anti-social. Ele tanto coopera, como compete; aplaude e inveja; ajuda e agride. As condutas antagônicas são parte da essência da natureza humana. Os indivíduos, diferente dos insetos gregários, são egoístas, no sentido de buscar os próprios interesses. Ao mesmo tempo, pretendem viver juntos, em sociedade, mas mantendo o máximo possível de liberdade. Eis o problema que surge: como conciliar as duas coisas? Para ele, a resposta está na “geração de um acordo comunitário que propicie a criação de uma entidade acima de todos eles – fracos e fortes – e que ‘imparcialmente’ zele pelos interesses da comunidade”.
Aceitando que cada homem é único e tem suas próprias aspirações, o mínimo que se pode exigir dessa sociedade é que “não atravanque a sua aventura de vida”, ou seja, “que lhe dê passe livre para buscar-se a si mesmo”. Esta aventura de partir em busca de si próprio requer liberdade e igualdade perante a lei. Como Og Leme lembra, a “busca de identidade é a busca de diferenças”, citando como exemplo de uma delas a impressão digital única. A sociedade deve ser, portanto, tolerante e compreensível com as diferenças entre indivíduos.
Mas ela é recompensada por isso. Como nos ensina a história, grande parte dos feitos que geraram progresso e amplos benefícios gerais se deveu aos atos de poucos indivíduos, à coragem e até excentricidade de algumas poucas pessoas. Elas teriam corrido o risco de acreditar em suas diferenças, na sua forma peculiar de ver o mundo. Nem mesmo é preciso citar exemplos, pois são numerosos demais. O mundo é uma história de minorias diferentes alterando o futuro da grande maioria. Quanto mais liberdade individual, melhor.
A condição para o homem é a liberdade. Através de sua consciência, ele irá escolher o que quer, o que considera seu projeto de vida a ser realizado. Numa sociedade de cupins, formigas ou abelhas, o problema não existe. Ele foi previamente resolvido pela programação genética. Cada animal exerce uma função predeterminada na colônia, dividida em hierarquias que lembram as nossas militares.
No filme Formiguinhaz, o personagem principal desabafa: “Que diabo! esperam que eu faça tudo pela colônia… e quanto às minhas necessidades?”. O mesmo personagem diz: “Quando a gente é filho do meio numa família de cinco milhões, não recebe muita atenção”. Essas passagens remetem ao fato de que formigas são iguais e obedecem a uma regra onde a colônia é o grande fim. Isso bate de frente com as necessidades humanas de individualidade. Os anseios individuais falam mais alto, e a questão é encontrar meios democráticos para que o custo da privação individual seja minimizado. Mas deve ficar claro que, diferente dos insetos gregários, os indivíduos humanos são a finalidade em si, e não o “bem-geral” da sociedade.
O altruísmo seria, segundo o autor, parte da natureza dos cupins, mas não dos homens. A imposição tirânica do altruísmo “significa a violação da própria condição humana, pois nega ao homem a busca de si mesmo”. Mas nas sociedades livres, através de interações espontâneas, a busca dos próprios interesses costuma resultar no benefício da totalidade dos homens. O individualismo seria, então, “um gerador mais eficaz de sinergia do que o coletivismo”. Temos vasta experiência empírica para comprovar isso. Se a premissa é de que a livre interação é ruim porque o homem é egoísta, faz menos sentido ainda concentrar poder em poucos homens através do Estado. Tamanha contradição jamais foi devidamente explicada pelos defensores de um modelo coletivista, com concentração de poder tal como numa colônia.
A extrema arrogância por parte daqueles que têm a pretensão de afirmar o que é importante para os outros, o que cada indivíduo deseja, ou o que vem a ser o “bem comum” é típica dos coletivistas. A postura liberal é mais humilde, compreendendo justamente que cada um tem interesses próprios, e sabe melhor do que ninguém quais são estes. O coletivista pretende impor um determinado padrão de preferências aos demais, partindo da premissa de que o “povo” não sabe nada, e precisa de seu auxílio, mesmo que não solicitado.
Há uma confusão entre o desejo do próprio coletivista e o “interesse geral”. O coletivista costuma sempre se colocar na posição do legislador. Ele é a colônia! O já citado filme Formiginhaz tratou do assunto, quando o vilão grita que a colônia é ele mesmo. No filme, a formiga principal sonha com a “insetopia”, um lugar onde as formigas serão livres para decidirem o que querem, e não irão mais fazer tudo igual. Alguns humanos, que vivem neste local, podendo ter escolhas próprias, trocar voluntariamente em um mercado livre, e focar em seus próprios interesses, querem o oposto: a Utopia, exatamente onde vivem as formigas mecanizadas trabalhando como escravas para o bem da colônia, definido sabe-se lá por quem!
Og Leme não acredita que seja possível o ideal anarquista de se viver sem governo algum, pois haveria uma tendência à concentração de poder, dando origem a algum poder tirânico em substituição ao de liberdade “plena”. O liberal, portanto, “se contenta em defender limites rigorosos para a jurisdição do Estado”, reconhecendo que ele é um “mal necessário”, e deve ser então o menor possível. O liberal é, nesse aspecto, um anarquista frustrado. Ele sabe que o governo pode ser uma ameaça grande à liberdade, mas entende que sua completa ausência é também uma grande ameaça. No entanto, o liberal sabe qual a meta objetivada: o máximo possível de liberdade para os indivíduos, já que cada um deles é um fim em si, e não um meio para algo maior, como numa colônia. Afinal, homens não são cupins. Felizmente!





quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Por que os intelectuais odeiam o capitalismo?(Jesús Huerta de Soto)













N. do T.: o artigo a seguir foi adaptado de um discurso improvisado feito pelo autor, daí o seu tom mais coloquial.

Por que os intelectuais sistematicamente odeiam o capitalismo?  Foi essa pergunta que Bertrand de Jouvenel (1903-1987) fez a si próprio em seu artigo Os intelectuais europeus e o capitalismo.

Esta postura, na realidade, sempre foi uma constante ao longo da história.  Desde a Grécia antiga, os intelectuais mais distintos — começando por Sócrates, passando por Platão e incluindo o próprio Aristóteles — viam com receio e desconfiança tudo o que envolvia atividades mercantis, empresariais, artesanais ou comerciais.

E, atualmente, não tenham nenhuma dúvida: desde atores e atrizes de cinema e televisão extremamente bem remunerados até intelectuais e escritores de renome mundial, que colocam seu labor criativo em obras literárias — todos são completamente contrários à economia de mercado e ao capitalismo.  Eles são contra o processo espontâneo e de interações voluntárias que ocorre de mercado.  Eles querem controlar o resultado destas interações.  Eles são socialistas.  Eles são de esquerda.  Por que é assim?

Vocês, futuros empreendedores, têm de entender isso e já irem se acostumando.  Amanhã, quando estiverem no mercado, gerenciando suas próprias empresas, vocês sentirão uma incompreensão diária e contínua, um genuíno desprezo dirigido a vocês por toda a chamada intelligentsia, a elite intelectual, aquele grupo de intelectuais que formam uma vanguarda.  Todos estarão contra vocês.

"Por que razão eles agem assim?", perguntou-se Bertrand de Jouvenel, que em seguida pôs-se a escrever um artigo explicando as razões pelas quais os intelectuais — no geral e salvo poucas e honrosas exceções — são sempre contrários ao processo de cooperação social que ocorre no mercado.

Eis as três razões básicas fornecidas por de Jouvenel.

Primeira, o desconhecimento.  Mais especificamente, o desconhecimento teórico de como funcionam os processos de mercado.  Como bem explicou Hayek, a ordem social empreendedorial é a mais complexa que existe no universo.  Qualquer pessoa que queira entender minimamente como funciona o processo de mercado deve se dedicar a várias horas de leituras diárias, e mesmo assim, do ponto de vista analítico, conseguirá entender apenas uma ínfima parte das leis que realmente governam os processos de interação espontânea que ocorrem no mercado.  Este trabalho deliberado de análise para se compreender como funciona o processo espontâneo de mercado — o qual só a teoria econômica pode proporcionar — desgraçadamente está completamente ausente da rotina da maior parte dos intelectuais.

Intelectuais normalmente são egocêntricos e tendem a se dar muito importância; eles genuinamente creem que são estudiosos profundos dos assuntos sociais.  Porém, a maioria é profundamente ignorante em relação a tudo o que diz respeito à ciência econômica.

A segunda razão, a soberba. Mais especificamente, a soberba do falso racionalista.  O intelectual genuinamente acredita que é mais culto e que sabe muito mais do que o resto de seus concidadãos, seja porque fez vários cursos universitários ou porque se vê como uma pessoa refinada que leu muitos livros ou porque participa de muitas conferências ou porque já recebeu alguns prêmios.  Em suma, ele se crê uma pessoa mais inteligente e muito mais preparada do que o restante da humanidade.  Por agirem assim, tendem a cair no pecado fatal da arrogância ou da soberba com muita facilidade.

Chegam, inclusive, ao ponto de pensar que sabem mais do que nós mesmos sobre o que devemos fazer e como devemos agir.  Creem genuinamente que estão legitimados a decidir o que temos de fazer.  Riem dos cidadãos de ideias mais simplórias e mais práticas.  É uma ofensa à sua fina sensibilidade assistir à televisão.  Abominam anúncios comerciais.  De alguma forma se escandalizam com a falta de cultura (na concepção deles) de toda a população.  E, de seus pedestais, se colocam a pontificar e a criticar tudo o que fazemos porque se creem moral e intelectualmente acima de tudo e todos.

E, no entanto, como dito, eles sabem muito pouco sobre o mundo real.  E isso é um perigo.  Por trás de cada intelectual há um ditador em potencial.  Qualquer descuido da sociedade e tais pessoas cairão na tentação de se arrogarem a si próprias plenos poderes políticos para impor a toda a população seus peculiares pontos de vista, os quais eles, os intelectuais, consideram ser os melhores, os mais refinados e os mais cultos.

 justamente por causa desta ignorância, desta arrogância fatal de pensar que sabem mais do que nós todos, que são mais cultos e refinados, que não devemos estranhar o fato de que, por trás de cada grande ditador da história, por trás de cada Hitler e Stalin, sempre houve uma corte de intelectuais aduladores que se apressaram e se esforçaram para lhes conferir base e legitimidade do ponto de vista ideológico, cultural e filosófico.

E a terceira e extremamente importante razão, o ressentimento e a inveja.  O intelectual é geralmente uma pessoa profundamente ressentida.  O intelectual se encontra em uma situação de mercado muito incômoda: na maior parte das circunstâncias, ele percebe que o valor de mercado que ele gera ao processo produtivo da economia é bastante pequeno.  Apenas pense nisso: você estudou durante vários anos, passou vários maus bocados, teve de fazer o grande sacrifício de emigrar para Paris, passou boa parte da sua vida pintando quadros aos quais poucas pessoas dão valor e ainda menos pessoas se dispõem a comprá-los.  Você se torna um ressentido.  Há algo de muito podre na sociedade capitalista quando as pessoas não valorizam como deve os seus esforços, os seus belos quadros, os seus profundos poemas, os seus refinados artigos e seus geniais romances.

Mesmo aqueles intelectuais que conseguem obter sucesso e prestígio no mercado capitalista nunca estão satisfeitos com o que lhes pagam.  O raciocínio é sempre o mesmo: "Levando em conta tudo o que faço como intelectual, sobretudo levando em conta toda a miséria moral que me rodeia, meu trabalho e meu esforço não são devidamente reconhecidos e remunerados.  Não posso aceitar como intelectual de prestígio que sou, que um ignorante, um parvo, um inculto empresário ganhe 10 ou 100 vezes mais do que eu simplesmente por estar vendendo qualquer coisa absurda, como carne bovina, sapatos ou barbeadores em um mercado voltado para satisfazer os desejos artificiais das massas incultas."

"Essa é uma sociedade injusta", prossegue o intelectual.  "A nós intelectuais não é pago o que valemos, ao passo que qualquer ignóbil que se dedica a produzir algo demandado pelas massas incultas ganha 100 ou 200 vezes mais do que eu".  Ressentimento e inveja.

Segundo Bertrand de Jouvenel, O mundo dos negócios é, para o intelectual, um mundo de valores falsos, de motivações vis, de recompensas injustas e mal direcionadas . . . para ele, o prejuízo é resultado natural da dedicação a algo superior, algo que deve ser feito, ao passo que o lucro representa apenas uma submissão às opiniões das massas. [...]

Enquanto o homem de negócios tem de dizer que "O cliente sempre tem razão", nenhum intelectual aceita este modo de pensar.

E prossegue de Jouvenel:

Dentre todos os bens que são vendidos em busca do lucro, quantos podemos definir resolutamente como sendo prejudiciais?  Por acaso não são muito mais numerosas as ideias prejudiciais que nós, intelectuais, defendemos e avançamos?

Conclusão

Somos humanos, meus caros.  Se ao ressentimento e à inveja acrescentamos a soberba e a ignorância, não há por que estranhar que a corte de homens e mulheres do cinema, da televisão, da literatura e das universidades — considerando as possíveis exceções — sempre atue de maneira cega, obtusa e tendenciosa em relação ao processo empreendedorial de mercado, que seja profundamente anticapitalista e sempre se apresente como porta-voz do socialismo, do controle do modo de vida da população e da redistribuição de renda.

John Galt já está em Miami (Paulo Figueiredo Filho)


Na política, dizem que não há melhor pesquisa qualitativa do que uma conversa com um taxista. A minha versão pessoal é o meu cabelereiro – ou barbeiro, na tradução heterossexual. Talvez por isso eu converse com tanto interesse com o sujeito que apara minha cabeleira há uns 15 anos em um salão bacana na orla do Rio. Em nosso último bate-papo, chamou-me a atenção que ele se queixava da perda de vários clientes fiéis por um motivo: estavam todos se mudando do Brasil.
O mesmo assunto dominava o jantar no fim de semana na casa de um amigo na Barra da Tijuca. Dos presentes, entre executivos, empresários e escritores, quem não estava de mudança do Brasil invejava os demais. E assim tem sido, de forma cada vez mais frequente: amigos, fornecedores e até concorrentes me confidenciam que deixarão o Brasil, sem data para voltar. O motivo principal varia, muitos citam a violência, outros a bolivarização do ensino e da mídia, e tantos mais mencionam o inóspito ambiente para negócios, mas o pano de fundo é sempre o mesmo: a completa falta de esperança no Brasil.
O fenômeno, inclusive, parece generalizado, mas, para evitar o terreno subjetivo, sinto-me obrigado a citar exemplos reais. Em meu ramo, mesmo com toda a pujança, recebi a notícia de que a Host Hotels (dona de diversos hotéis no mundo, inclusive os da rede Marriott no Brasil), ao final do ano passado, fechou o escritório do Brasil e cuidará de seus interesses remotamente, de Miami. Algo parecido aconteceu com a gigante Starwood Hotels (dona das marcas Sheraton, Meridien, W, dentre outros), que também cerrou seu escritório de desenvolvimento no Brasil.
Ainda digna de nota foi a verdadeira história recente de outro projeto de hotelaria de altíssimo luxo, cujos investidores – que estão habituados a projetos no Caribe, Angola e Senegal – deixaram o país e encerraram os seus investimentos por aqui com a melancólica frase: “Fuck Brazil!”. Preferiram abandonar as obras pela metade e assimilar um prejuízo multimilionário a permanecer no país que, ainda nas palavras deles, “tem o ambiente de negócios mais hostil que já viram na vida”.
Independentemente de exemplos pontuais, desafio o leitor a examinar sua rede de relacionamentos e me jurar que não conheça alguém que esteja deixando o Brasil. O destino geralmente é Miami (“o Rio de Janeiro que deu certo”), mas pode variar. O importante é que, em minha vida, não consigo me lembrar de um fenômeno deste tipo e nesta magnitude, incluindo o grande êxodo de cariocas após a onda de sequestros no início dos anos 90.
Mas o que me causa grande preocupação não é propriamente a quantidade de pessoas que têm ido embora, mas a qualidade do material humano que nos deixa. Estamos perdendo alguns dos nossos melhores empresários, advogados, engenheiros, cientistas e até intelectuais. Em outras palavras: estamos perdendo aqueles que carregam o Brasil nas costas.
É impossível não estabelecer um paralelo com o livro da filósofa Ayn Rand, A Revolta de Atlas(também publicado com o título “Quem é John Galt?”). Para quem não leu o romance (leia!), trata-se de uma distopia onde, em um país controlado pelo governo e em uma sociedade dominada pelo relativismo e pelo coitadismo, todos os melhores cidadãos produtivos resolvem desistir de seus ramos e se exilar secretamente em um território inalcançável. Não estarei estragando nenhuma surpresa ao dizer que a massa que fica passa a pedir mais intervenção do governo, que é, naturalmente, inútil. Não restava mais ninguém de quem a riqueza pudesse ser sugada e todo o sistema entrava em colapso.
Nada disso aparece em alguma estatística do IBGE, nas projeções do IPEA ou mesmo no relatório Focus do Banco Central. Entretanto, metas de inflação, ajustes no orçamento, PACs, estímulos pontuais a setores, empréstimos do BNDES, regulamentações, programas de distribuição de renda e todas as ações que o governo brasileiro conseguir inventar não surtirão nenhum efeito se aqueles que carregaram o Brasil nas costas até hoje não estiverem mais aqui para fazê-lo. Como andam dizendo, o último que sair não precisará apagar a luz, pois já não haverá energia elétrica.

As falhas intrínsecas do comunismo (RC)

comunismo
“O comunismo não foi uma boa idéia que deu errado; foi uma má idéia.” (Richard Pipes)
Nenhuma ideologia trouxe tanta desgraça ao mundo como o comunismo, influenciado pelas teorias marxistas. Não obstante este fato, muitos ainda defendem, em diferentes graus, idéias que remetem ao comunismo. Alegam que o comunismo “verdadeiro” jamais existiu, e que houve “apenas” um problema de implantação do regime. Os homens falharam, em suma, e não a própria ideologia. O historiador especialista em Rússia, Richard Pipes, demonstra o contrário em seu livro O Comunismo, onde discorre de forma simplificada pela trajetória comunista no século XX.
O cerne da teoria comunista, conforme resumida por Marx e Engels no Manifesto Comunista, é a abolição da propriedade privada. A tentativa de adotar esta idéia leva, inexoravelmente, ao terror, miséria e escravidão. O ideal de uma Idade de Ouro sem propriedades é um mito. Como explica Pipes, “todas as criaturas vivas, das mais primitivas às mais avançadas, para sobreviver, devem ter o acesso ao alimento garantido e, para assegurar esse acesso, reivindicam a posse do território”.
Mao escreveu: “Em uma folha de papel em branco, sem nenhuma marca, as letras mais frescas e belas podem ser escritas, os quadros mais belos e frescos podem ser pintados”. Ao tratar o homem como uma “tabula rasa” e tentar criar um “novo homem”, os comunistas conseguem apenas tingir essa folha de vermelho, do sangue que escorre das suas vítimas. Os herdeiros do comunismo ignoram toda a experiência comunista, afirmando que os fins utópicos ainda são válidos e ignorando que os meios para tanto não podem levar a outro lugar que não aquele experimentado pelos soviéticos, chineses, norte-coreanos, cubanos etc.
O principal caso apresentado por Pipes é, naturalmente, o soviético. Ele afirma que o “totalitarismo soviético desenvolveu-se a partir das sementes marxistas plantadas no solo do patrimonialismo czarista”. Lênin teve um papel fundamental na revolução que instalou a ditadura comunista. Filho de um alto funcionário na hierarquia russa, Lênin devia nutrir um sentimento de culpa em relação aos privilégios que gozava, algo comum na época. Seu irmão, um radical acusado de estar envolvido num atentado contra o czar, foi assassinado pelo regime czarista.
Lênin pagou um alto preço por isso, sendo punido com a expulsão da universidade por uma infração insignificante, por ser identificado como o irmão de um terrorista. Foi forçado à inatividade por três anos, e desenvolveu forte ressentimento em relação tanto ao czarismo como à burguesia. Tornou-se um revolucionário fanático disposto a destruir a ordem social vigente. Foi motivado por um anseio de vingança, e Struve, um antigo colaborador seu, escreveu anos depois que a principal característica da personalidade de Lênin era o ódio.
Muitos são os que condenam a crueldade de Stalin, mas esquecem de Lênin, considerado por Molotov, funcionário de confiança que serviu a ambos, o mais severo dos dois. Lênin demonstrou uma frieza monstruosa quando se opôs à ajuda humanitária aos camponeses famintos em 1891 no Volga, argumentando que a fome servia para a causa comunista. Quando tomou o poder, fez de tudo para transformar a guerra em guerra civil, útil para seus planos revolucionários. Pipes reconhece que os “bolcheviques tomaram o poder na Rússia para fazerem a guerra civil”. Lênin defendeu a morte de todos os “especuladores” e ordenou o enforcamento de centenas dekulaks, pequenos proprietários de terra, de forma que todos pudessem ver. O comunismo sob o comando de Lênin conseguiu em poucos meses matar mais gente do que o regime czarista em décadas!
Com a morte de Lênin, Stalin assumiu o poder, instalando em seguida o Grande Terror, que chegou a executar cerca de mil pessoas por dia, mandando outros milhões para os campos de concentração, já introduzidos por Lênin. O slogan da luta de classes foi abandonado por Stalin, que lançou a Rússia em um nacionalismo semelhante ao de Hitler. Stalin considerava que conflitos e guerras eram os maiores aliados do comunismo soviético e, seguindo este raciocínio, de 1920 a 1933 a União Soviética envolveu-se em colaboração secreta com os militares alemães para que pudessem evitar as provisões do Tratado de Versalhes.
Em 1932, Stalin ajudou Hitler a chegar ao poder, proibindo comunistas alemães de se aliarem aos social-democratas contra os nazistas nas eleições parlamentares. Assinou ainda um tratado de não-agressão com Berlim em 1939, que incluía um protocolo secreto dividindo a Polônia entre a Rússia e a Alemanha. Molotov, o confidente mais próximo de Stalin, chegou a declarar que aceitar ou rejeitar o hitlerismo é uma “questão de opinião política”. Em 1940, quando Hitler esmagou os exércitos aliados na França, Stalin fez aliança com a Alemanha nazista, fornecendo alimentos, metais e outros materiais escassos.
Tanto o nazismo como o comunismo tinham um inimigo comum – a democracia liberal com seus direitos civis e propriedade privada de fato. Além disso, ambos consideravam os seres humanos meios descartáveis para a construção de uma nova ordem e um “novo homem”. Curiosamente, muitos ainda acreditam que Stalin e Hitler, ou o comunismo e o nazismo, eram diametralmente opostos desde sempre.
Os soviéticos defendiam a “globalização”, mas não a democrática de livre mercado como conhecemos hoje, e sim a exportação do regime revolucionário comunista. Em 1919 fundaram a Terceira Internacional, ou Comintern, com a missão de infiltrar-se e assumir o controle de todas as organizações de massa nos diferentes países. Lênin deixara claro que, em caso de necessidade, era para “recorrer a todo tipo de ardil, astúcia, expediente ilegal, dissimulação, supressão da verdade”. Os comunistas de Moscou, de fato, exportaram o regime para inúmeros países em vários continentes. A Guerra Fria foi fruto dessa estratégia comunista.
Em todos os casos em que os americanos não interromperam a escalada comunista, sem uma única exceção, o resultado foi a miséria, a escravidão e muitas mortes desnecessárias. Um dos casos de maior atrocidade foi o de Camboja, onde os líderes do Khmer Vermelho, que aprenderam sobre o marxismo em Paris, instalaram um regime que trucidou sem piedade quase um terço da população, tudo em busca da igualdade marxista.
Apesar da propaganda comunista, que chamava de “fascista” tudo que não era comunista, inclusive os social-democratas europeus, o próprio fascismo teve influência comunista. Benito Mussolini, o ditador italiano, bebeu da fonte leninista, e em um discurso de 1921, afirmou que existia uma afinidade intelectual entre fascistas e comunistas. A grande diferença estaria no fato de os comunistas pregarem o Estado centralizado por meio do conceito de classe, enquanto os fascistas o faziam pelo conceito de nação. O próprio Hitler declarou ter tido forte influência de Marx.
O filósofo Nietzsche descreveu bem o socialismo em vista de seus meios: “O socialismo é o visionário irmão mais novo do quase extinto despotismo, do qual quer ser herdeiro; seus esforços, portanto, são reacionários no sentido mais profundo. Pois ele deseja uma plenitude de poder estatal como até hoje somente o despotismo teve, e até mesmo supera o que houve no passado, por aspirar ao aniquilamento formal do indivíduo: o qual ele vê como um luxo injustificado da natureza, que deve aprimorar e transformar num pertinente órgão da comunidade”. E continua: “Por isso ele se prepara secretamente para governos de terror, e empurra a palavra ‘justiça’ como um prego na cabeça das massas semicultas, para despojá-las totalmente de sua compreensão”.
Para Richard Pipes, a idéia básica do marxismo, de que a propriedade privada é um fenômeno histórico transitório, é completamente falsa. A propriedade privada, na verdade, é “uma característica permanente da vida social e, como tal, indestrutível”. A noção marxista de que a natureza humana é infinitamente maleável é igualmente falha. Essa realidade faz com que o regime comunista tenha sempre que apelar para a violência como meio rotineiro de governar. Os comunistas esquecem que a abstração chamada “Estado” é composta por indivíduos que também seguem seus interesses particulares. O comunismo sempre evolui, portanto, para a criação de uma nomenklatura poderosa, uma casta privilegiada que coloca fim ao ideal de igualdade presente no comunismo. Como Pipes explica, “a contradição entre fins e meios está inserida no comunismo e em todo país em que o Estado é o dono dos bens de produção”.
Logo, tanto a liberdade como a igualdade, fins presentes na ideologia comunista, são totalmente inatingíveis através dos meios adotados pelo regime. O comunismo não passa de uma pseudo-religião, dogmático e rígido, e sua meta – a abolição da propriedade privada – leva inevitavelmente à abolição da liberdade. Tal utopia já sacrificou algo como cem milhões de vidas inocentes. Seria loucura adotar os mesmos meios e esperar um fim diferente. O defeito do comunismo não se encontra apenas nos comunistas revolucionários, mas nas próprias premissas do comunismo. São essas que devem ser veementemente abandonadas, tal como foram no caso do nazismo.

29-01-15-charge-grande


















sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Que bom seria se esse PIB caísse... (Domingos Crosseti Branda)


pib.jpgEm tempos de PLN 36 (Projeto de Lei do Congresso Nacional nº 36 de 2014), muito terrorismo político se escutou de parlamentares e burocratas.
Coisas do tipo "é preciso aprovar o PLN 36 para não haver recessão!"; "Haverá desemprego e redução da atividade do país se o PLN 36 não for aprovado!"; foram muito noticiadas. O PLN 36 foi votado e aprovado.  Um grande erro.  Explico.
Tudo gira em torno da equação[1] PIB = C + I + G + (X-M) que muita gente conhece. Particularmente, há uma falácia que se centra em "gastos do governo" (G). Se "G" diminui, cai o PIB e há recessão.  Mas o que não está claro é que, se o PIB caísse em decorrência da diminuição de "G", as consequências seriam amplamente positivas.
O raciocínio para explicar essa falácia começa com uma pergunta: de onde vem o financiamento do governo? Dos impostos, da inflação monetária e do endividamento do próprio governo.  Mas, dado que o endividamento será pago com impostos e inflação monetária, então em última instância todo o financiamento do governo advém de impostos e de inflação monetária.  
Ou seja, é algo simples e direto: todo governo se financia perante o setor privado da economia. Quando o governo drena recursos para si, ele reduz a capacidade de investimento do setor privado.
De imediato, poderíamos até pensar que, se os recursos migram de um ente privado para um ente público via impostos ou inflação monetária, então não há problemas. O que o privado gastaria será o público que gastará. Mas esse argumento é facilmente rejeitável dada a natureza coerciva da tributação: as fontes de financiamento são uma usurpação às propriedades dos cidadãos. E essa usurpação é igual a quase metade do seu tempo dedicado à produção.
Em suma, um turno de trabalho é do governo, o outro do cidadão.
No entanto, dado que o confisco não cessará e o gasto continuará existindo, deixemos de lado o argumento moral e concentremo-nos nos argumentos econômicos.  Dizer que o ente público gastará o mesmo que o privado gastaria é ilógico porque os gastos públicos não se orientam pelo mercado e para o mercado; eles se orientam para a perpetuação do poder dos defensores da ideologia de plantão.  E aí já temos uma diferença intransponível: ao passo que os cidadãos privados gastariam (ou investiriam) seguindo suas preferências subjetivas e a lógica de mercado, o governo gastará seguindo lógicas político-eleitoreiras.
No âmbito político, os projetos mais viáveis nem sempre são os prioritários e o gasto não é eficiente.  No que mais, e paradoxalmente, o próprio governo tem de incorrer em gastos extras para fiscalizar o gasto público e se certificar de que este esteja em parâmetros mais ou menos de acordo com o mercado! Fiscalização essa que, por si só, é um consumo de recursos.[2]
Economia não é uma ciência exata, mas podemos associar esses dois fatores e concluir que há perdas. E essas perdas no Brasil vão além do aceitável. A conta é mais ou menos a seguinte: o tudo o que o governo arrecada via impostos, ele gasta; e tudo aquilo que ele arrecada via endividamento, ele investe[3].
Lembra-se da usurpação da metade do trabalho do cidadão? Toda ela é gasta pelo governo em algo não-produtivo.  Mais ainda: parte da poupança que o setor privado faz não é reinvestida, mas sim desviada para financiar o governo.
E se você ainda não está convencido do argumento, vamos aos números.
Há algum tempo, escrevi um ensaio sobre a desindustrialização brasileira[4][5] evidenciando que o câmbio não era o culpado pelo que ocorria na época, e sim os fatores internos da economia. O consumo intermediário (isto é, o consumo de bens que são utilizados na produção de outros bens; o vidro é utilizado na fabricação de um copo, o papel é utilizado na impressão de um livro) e a alta drenagem de recursos do setor privado pelo governo estavam entre os principais fatores da desindustrialização, além do alto consumo das famílias. O resultado era uma despoupança em relação à produção total, um efetivo consumo de capital, o que prejudicava o crescimento econômico sustentável.
De lá pra cá, algo mudou? Estamos melhores? Piores? Para onde estamos indo? Eis as evidências atualizadas.[6]
Comecemos a analisar os recursos drenados do setor privado pelo setor público, em relação ao PIB. Assim, para 100% de PIB, temos o seguinte:
fig1.png
O setor público drena do setor privado, sob forma de impostos e endividamento, de 35% a quase 40% do PIB, o que deixa para o setor privado uma quantidade de recursos para consumir e poupar na ordem de 60% a 64% do PIB.  O consumo das famílias fica na ordem de 62% do PIB, mais ou menos constante ao longo da série. Logo, sobram recursos privados para consumir ou poupar na ordem de 2% ao ano, em taxa decrescente nos últimos anos e sendo negativa em 2012 e 2013.
Se considerarmos que a indústria de um modo geral deprecia (perde sua capacidade de produção em virtude do desgaste e obsolescência) na ordem de 5% ao ano[7], isso significa que ela não é capaz nem sequer de repor a sua capacidade produtiva.
E as coisas ainda pioram. Como seguimos o raciocínio do Produto Privado Remanescente explicado neste artigo (até porque somos economistas e economistas jamais podem violar o principio número 1 da economia, que é o princípio da escassez, sob pena de invalidez lógica ou desonestidade intelectual), temos de visualizar as coisas sob a ótica do valor adicionado, que é o quanto a economia realmente produz de riqueza no ano. Assim temos o seguinte:
fig2.png
O setor público drena de 40% a quase 47% (quase metade!) do valor adicionado.  Daí a conclusão, afirmada anteriormente, que um turno de seu trabalho é confiscado pelo governo e o outro turno é para si próprio.  Consequentemente, sobra para o setor privado consumir ou poupar (o trade-off em obediência ao princípio da escassez) em torno de 53% a 60% do valor adicionado.
As famílias, em decorrência dos estímulos ao consumo dados pelo governo, não dão folga e consomem algo em torno de 70% de todo valor adicionado, restando recursos privados para repor ou expandir a capacidade produtiva da economia na ordem de -12% (menos 12 por cento) em 2012, deteriorando-se recentemente e chegando a -20% (menos vinte por cento) em 2013.
E como é possível consumir além do que se produz?  Essa conta parece não fechar, certo? Errado. Se estivermos consumindo além do valor adicionado, isso significa que estamos consumindo o estoque daquilo que foi produzido no passado.
Notem que a lógica é perversa. O estoque do passado deve servir para expandir a capacidade de produção da economia (liberação de recursos reais). O governo está promovendo exatamente o contrário: a alta drenagem de recursos do setor privado pelo setor público acaba sendo um fator determinante na incapacidade de restabelecimento — ou mesmo de aumento — da capacidade produtiva do setor privado.
A análise evidencia que uma política estatal de estado empreendedor, nacional-desenvolvimentista, definidor de empresas campeãs nacionais, e defensor de políticas de crédito fácil (não-lastreado por poupança real) e de estímulo ao consumo (todas elas ativas e defendidas na era contemporânea da nossa economia) não somente não é eficaz, como na verdade é danosa à economia.
Infelizmente, não há perspectivas de uma retomada em um horizonte breve, pois são necessárias reformas que dependem dos governantes. A aprovação do PLN 36 acabou de mostrar o repúdio do governo às reformas necessárias. "G" vai aumentar e o PIB vai junto apresentar crescimento. Nada bom.  Um número positivo, mas que esconde inexoráveis leis econômicas que, mais cedo ou mais tarde, aparecerão.
Como seria bom se fosse o contrário: um "G" caindo vertiginosamente para restaurar a capacidade de investimento do setor privado.  Haveria PIBs negativos no intervalo de recuperação.  Seria um número negativo, mas que ocultaria a verdadeira retomada do crescimento econômico. Mas que político consegue ou quer explicar isso para os seus eleitores?
Ah, como seria bom se esse PIB caísse...

Como uma redução no PIB pode gerar um crescimento econômico (Joseph Salerno)


1pib.jpgRecentemente, o jornal Financial Times publicou um artigo com gráficos mostrando a correlação entre gastos do governo e crescimento real do PIB. 
Baseando-se nessas correlações, o autor do artigo comenta: "Não é segredo nenhum que cortes nos gastos do governo (e aumento de impostos) retardaram o crescimento da economia dos EUA nos últimos quatro anos."  E então ele prossegue argumentando que, de meados de 2010 a meados de 2011, uma redução nos gastos do governo americano retirou 0,76 ponto percentual da taxa de crescimento econômico.
O autor conjectura que essa redução na taxa de crescimento fez com que o atual nível do PIB real americano seja 1,2% menor do que seria caso não houvesse ocorrido essa "austeridade".  Ele também assinala que, desde 2012, praticamente todos os efeitos depressivos sobre a taxa de crescimento do PIB real americano foram causados por uma redução nos gastos militares.  Embora uma fatia dessa redução tenha sido benéfica, opina o autor, "outra fatia representou uma auto-mutilação econômica".
Com efeito, uma redução nos gastos do governo pode representar uma auto-mutilação para o governo federal, mas é benéfico à economia do setor privado.
É realmente verdade que, da maneira como o PIB é calculado, uma redução nos gastos reais do governo gera uma redução na taxa de crescimento real do PIB.  No entanto, ao contrário do que diz a reportagem, a redução nos gastos do governo não retarda o crescimento da produção de bens que satisfazem as demandas dos consumidores.  Ao contrário até: pode acelerá-la
Adicionalmente, a renda real e o padrão de vida de produtores e consumidores no setor privado irão aumentarcomo resultado direto do declínio nos gastos do governo.  A razão desse aparente paradoxo está no método convencional que é utilizado para calcular a produção real que ocorre na economia.
Eis um exemplo simples.
O problema com o cálculo do PIB
Imagine uma economia simples — por exemplo, uma ilha — cujo setor privado produz 1.000 maçãs por ano. 
Agora suponha que o governo dessa ilha tribute os produtores em 200 maçãs por ano para sustentar sua burocracia e seu aparato de segurança nacional.
De acordo com as contas tradicionais da renda nacional, as quais possuem profundas raízes na teoria keynesiana, o PIB real dessa ilha será de 1.200 maçãs. 
Ou seja, o cálculo considera todas as 1.000 maçãs produzidas (antes dos impostos) e que são parte consumidaspelos produtores, parte investidas por eles na plantação de novas macieiras, e parte pagas como impostos, maisas 200 maçãs gastas pelo governo para sustentar sua burocracia que está ocupada em fornecer o "bem público" da segurança nacional.
PIB = C + I + G + X - M
C + I = 1.000
G = 200
X - M = 0
PIB = 1.200
Em outras palavras, o PIB real[1] da ilha inclui as 1.000 maçãs voluntariamente produzidas (e que serão consumidas, investidas e pagas como impostos) pelo setor privado mais o "valor em maçãs" da segurança nacional, cujo valor é mensurado pelo seu custo de produção.  Ou seja, as 200 maçãs arrecadadas por meio de impostos compulsórios são integralmente gastas nos sustento da burocracia.
Agora, suponhamos que, já no próximo ano, o governo decida reduzir pela metade seus gastos com segurança nacional, pois concluiu que não há necessidade de manter aparato tão grande em um lugar tão desinteressante.  Suponhamos também que o corte de gastos seja integralmente acompanhado de um corte de impostos.  Agora, portanto, os impostos serão de 100 maçãs e, consequentemente, os gastos serão também de 100 maçãs.
Tudo o mais constante, o PIB real cairá de 1.200 para 1.100 maçãs, uma vez que os "serviços" da segurança nacional agora contribuem com apenas 100 maçãs para o PIB.
PIB = C + I + G + X - M
C + I = 1.000
G = 100
X - M = 0
PIB = 1.100
Mas eis a primeira complicação. 
As 1.000 maçãs foram voluntariamente produzidas pelo setor privado.  Consequentemente, a produção das 1.000 maçãs é uma ação que comprovadamente vale mais do que os recursos (tempo e esforço) utilizados em sua produção.  Caso as maçãs não valessem mais do que seus custos de produção, não seriam produzidas. 
Em profundo contraste a isso, não há absolutamente nenhuma evidência de que os consumidores e produtores privados consideravam que os serviços militares do governo valiam mais do que o custo de produzi-los.  Aliás, não há sequer evidências de que eles valorizavam qualquer tipo de oferta de serviço militar. 
Não há como saber isso simplesmente porque os gastos militares do governo eram financiados pela coerciva extração de recursos do setor privado, cujos membros não tinham escolham.  Sendo assim, não há como eles expressarem sua real valoração deste "serviço".
Não há como calcular o valor real dos serviços financiados por impostos
A mesma conclusão é válida para qualquer empreendimento financiado coercivamente pelo governo — como, por exemplo, a construção de um ambulatório nessa ilha. 
Na ausência de transações e produção voluntárias, não há maneira efetiva de determinar o valor de bens e serviços.  Os investimentos e serviços governo podem até ter algum valor para os consumidores privados, mas não há nenhum método científico e objetivo de mensurar esse valor.  Com efeito, assumindo-se que o governo desperdiça pelo menos 50% dos recursos que ele gasta, o benefício líquido para os consumidores privados seria zero.
Utilizando agora o "Produto Privado Bruto"
Portanto, por essas e outras razões, uma contabilidade da renda nacional que seguisse os princípios da Escola Austríaca de Economia excluiria os gastos do governo do cálculo da produção total da economia. 
Sendo assim, nessa ilha, o produto real — ou aquilo que os austríacos chamam de "Produto Privado Bruto" ou "PPB"[2] — seria apenas as 1.000 maçãs produzidas pelo setor privado.  Os gastos governamentais de 200 maçãs para a oferta de serviços militares (ou construção de ambulatório) são excluídos do cálculo.
Mas isso ainda está incompleto.  As 1.000 maçãs do PPB ainda superestimam os recursos que realmente estão à disposição do setor privado, pois, dessas 1.000 maçãs, 200 maçãs foram forçosamente confiscadas pelo governo e, assim, impedidas de serem utilizadas de maneira mais proveitosa pelo setor privado, o qual poderia utilizá-las em novos investimentos ou simplesmente consumi-las.  Essas 200 maçãs foram desviadas para financiar atividades estatais que, do ponto de vista dos produtores originais desses recursos (maçãs), podem ser vistas como um desperdício.
Nesse sentido, as 200 maçãs pagas como impostos podem ser vistas como uma "depredação", uma "espoliação" da economia privada, e isso ainda não é mensurado pelo PPB.
Sendo assim, se incluirmos essa depredação, chegaremos àquilo que os austríacos chamam de "produto privado remanescente em mãos privadas", ou PPR.  O PPR é igual ao PPB menos a depredação total (ou seja, os gastos do governo).[3]
Em nossa ilha hipotética, o PPR será de 800 maçãs (PPR = 1.000 maçãs - 200 maçãs).  Sendo assim, os gastos do governo não deveriam ser adicionados à produção privada mas sim subtraídos dela para que se tenha uma sensação do padrão de vida dos cidadãos privados que exercem atividades econômicas produtivas.
Portanto, temos que:
PIB = 1.200 (número divulgado pelo governo)
PPB = 1.000 (produção efetiva do setor privado)
PPR = 800 (produção que realmente fica com o setor privado)
Na prática, PPR = PIB - 2G
Reduzir impostos e gastos aumenta o bem-estar
Baseando-se na análise acima, quando o governo da ilha reduz seus gastos militares em 100 maçãs, e supondo que não haja nenhuma outra mudança, ele realmente irá reduzir o PIB de 1.200 para 1.110 maçãs.
No entanto, de uma perspectiva austríaca, o produto real (em termos de bens produzidos e valorados pelos consumidores e produtores) permanece constante em PPB = 1.000 maçãs.  Mais ainda: o bem-estar econômico dos produtores será significativamente majorado porque a depredação sobre sua produção cai de 200 para 100 maçãs, fazendo com que o PPR suba de 800 para 900 maçãs!
O raciocínio é simples: dado que os gastos do governo equivalem na verdade a depredações econômicas, eles devem ser subtraídos do cálculo do PIB.  Ou seja: do valor anual do PIB divulgado, subtrai-se os gastos governamentais duas vezes.  A primeira, apenas para tirar essa variável da equação, obtendo-se assim o Produto Privado Bruto — PPB; a segunda, para levar em conta todos os recursos que o estado tungou do setor privado, obtendo-se assim o Produto Privado Remanescente, que representa a real criação de riqueza de uma economia.
PIB = 1.100 (número divulgado pelo governo)
PPB = 1.000 (produção efetiva do setor privado)
PPR = 900 (produção que realmente fica com o setor privado)
E ainda não acabou.  Desse corte de impostos de 100 maçãs, uma fatia provavelmente investida na plantação de novas macieiras, o que irá aumentar o estoque de capital e, consequentemente, acelerar o crescimento econômico ao longo do tempo.
Mesmo no curto prazo, é bem possível que já ocorra um crescimento positivo do PPB devido aos "efeitos da oferta".  Por exemplo, o corte marginal nos impostos aumenta os custos de oportunidade do lazer (ficar sem fazer nada de produtivo acaba representando uma oportunidade perdida), e isso estimulará os produtores a trabalhar mais horas.  A mão-de-obra do setor privado irá aumentar ao ser integrada por ex-militares desempregados. 
Sendo assim, é possível que o PPB cresça de 1.000 para 1.075 maçãs (e, consequentemente, o PPR cresça de 800 para 975 maçãs).  Nesse cenário, o corte de gastos governamentais de 100 maçãs será parcialmente contrabalançado por um aumento de 75 maçãs na produção privada.  As estatísticas do PIB irão mostrar um declínio menor do que o anterior, de 1.200 para 1.175 maçãs. 
No entanto, não obstante esse declínio nas estatísticas do PIB (que são economicamente sem sentido), o resultado representaria uma bonança para a economia privada, uma vez que a produção de maçãs, a renda real e o padrão de vida dos produtores de maçãs, bem como sua capacidade de produzir mais maçãs no futuro, irão aumentar.
PIB = C + I + G + X - M
C + I = 1.075
G = 100
X - M = 0
PIB = 1.175
PPB = PIB - G = 1.175 - 100 = 1.075 (produção efetiva do setor privado)
PPR = PPB - G = PIB - 2G = 1.175 - 200 = 975 (produção que realmente fica com o setor privado)
Do ponto de vista austríaco, portanto, o caminho para a saúde econômica imediata e para o crescimento econômico duradouro passa por um maciço corte de impostos e de gastos governamentais, em toda e qualquer área.  Sim, isso é austeridade — mas austeridade apenas para o governo
A redução das depredações políticas na economia privada irá desencadear uma série de benefícios presentes e futuros para os consumidores privados.  E esses benefícios são virtualmente "grátis" porque os recursos consumidos pelo governo em seu orçamento são, do ponto de vista dos produtores privados destes recursos, praticamente um total desperdício.
Cortar profundamente os gastos do governo em, por exemplo, 25% não apenas iria resolver o problema do déficit orçamentário, como também, e ainda mais importante, iria estimular o crescimento de longo prazo, com reflexos positivos sobre renda e padrão de vida.
O real problema não é o tamanho do déficit orçamentário por si só, mas sim as depredações sobre a produção privada feitas pela totalidade dos gastos do governo[4].  Sendo assim, um orçamento governamental total de $4 trilhões e um déficit de $500 bilhões representam uma depredação muito maior e muito mais danosa sobre a economia privada do que um orçamento de $3 trilhões parcialmente financiado por um déficit de $1 trilhão.