Comentei aqui sobre o programa “Na Moral” que não foi ao ar com o debate sobre cotas, pois os participantes favoráveis a elas eram candidatos e a lei eleitoral não permite tal exposição nesse momento de campanha. Um dos participantes contrários às cotas, Éder Souza, enviou-me um longo texto de sua autoria que julgo bastante pertinente. Abaixo, os principais trechos:
Primeiramente, devemos pensar no papel da universidade na sociedade. Ela, primeiramente, tem o papel de desenvolver a pesquisa científica em diversos ramos do conhecimento, para o desenvolvimento de toda uma comunidade. Para que essa tarefa se realize, é necessário que a universidade recrute para seus quadros pessoas que possuem pré-requisito educacional e intelectual para desenvolver tais pesquisas. Por isso ela necessariamente tem que possuir um caráter meritocrático em suas admissões, que devem passar ao largo de questões étnico-raciais. A universidade não deve ser local de compensações de supostas “dividas históricas”. Nesse quadro, a universidade não reconhece qualquer outro critério que não seja o conhecimento adquirido pelos pleiteantes às vagas disponíveis; o pleito é impessoal e não questiona a etnia ou procedência da pessoa que a ele se submete.
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Percebe-se que o problema fundamental está na relação que o Estado e a sociedade têm com a educação de base. Em um país onde mais de 70% dos alunos concluem o ensino médio sendo analfabetos funcionais, e por volta de 50% dos universitários também o são, ranqueado entre os últimos em qualidade educacional no mundo, está muito claro que a questão maior não é a universidade, mas sim o ensino básico deficiente ofertado pelo governo para a maior parte da população.
Como o governo é especialista em quebrar a perna do cidadão e depois oferecer muletas argumentando que “sem mim você não andaria”, para ele é interessante não resolver uma questão espinhosa como a educação de base e, ao invés, dizer que solucionará o problema do acesso desigual à universidade fornecendo cotas, o que sem dúvida é uma medida de impacto imediatista, marqueteira e eleitoreira. Por isso, para o governo é mais lucrativo incentivar as pautas do movimento negro, que tem em suas lideranças pessoas ávidas por estarem dentro da estrutura do Estado para poder influenciar políticas públicas. Então, estamos diante de um problema maior do que cotas ou não cotas. A questão que deve realmente nortear o debate é, de um lado, o desemprenho das políticas estatais de formação educacional dos cidadãos e, de outro, as ações de grupos do movimento negro que se utilizam da política de cotas como instrumento para alcançar influência dentro do Estado.
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A estereotipagem inversa da identidade do negro significa que o negro que quiser ser considerado negro de fato terá que apoiar as pautas dos “movimentos afirmativos”, que dizem lutar por todos os negros e se autointitulam representantes da raça. Mas como qualquer grupo humano é composto de indivíduos diferenciados, com valores e pensamentos diversos, devemos entender que características são necessárias para que se considere alguém um “bom” negro sob a ótica do movimento que diz representá-lo.
Para essa gente, só pode ser bom o negro que está “em luta”, e apenas luta o bom combate aqueles que lutam as guerras que esse movimento decide que devem ser guerreadas; se discorda das pautas do movimento, como as cotas, o indivíduo é chamado de “negro de alma branca”, o que significa estar vendido ao outro lado, um alienado ou mal intencionado. O movimento cumpre o papel de capitão-do-mato do próprio negro, ao tirar sua liberdade de ser um indivíduo autônomo que pensa por si e chega às próprias conclusões.
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As perseguições racistas a Joaquim Barbosa, aliado de longa data de diversos movimentos de negros (mas que contrariou interesses do PT), mostram bem como o negro que tem posições políticas diferentes das do movimento é tratado com desprezo. Quando, durante o julgamento do mensalão, o ministro do STF começou a sofrer ataques racistas sistemáticos, tendo sido chamado de “capitão do mato”, “negro traidor”, “negro ingrato”, não se viu defesa sua por parte do movimento de negros. Ao contrário, vimos um deputado negro do PT dizer o seguinte: “Negros que usam o chicote para bater em outros negros não são meus irmãos. O Joaquim Barbosa não é meu irmão”. Na lógica distorcida do deputado petista, o negro que Joaquim Barbosa chicoteou é nada mais nada menos do que… José Dirceu.
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Como escapar dessa tentativa de dominação e dar ao negro uma verdadeira liberdade? A única forma é construir uma sociedade meritocrática, onde o que vale é a capacidade individual de cada um, não quaisquer outros atributos, seja a etnia, orientação sexual etc. Os negro e outras minorias oprimidas não têm que exigir que o Estado os tutele com reservas de mercado ou leis específicas, mas sim que o Estado cumpra bem o seu papel mínimo. A meritocracia social absoluta é impossível, pois há diversos fatores sociais e de nascimento que beneficiam uns e prejudicam outros; porém, possibilitar e incentivar a ascensão social pelo mérito individual é a base da construção de uma sociedade saudável.
São argumentos poderosos que, por si só, derrubam todo o sensacionalismo do “movimento de negros”. O fato de o próprio autor ser negro é motivo de desespero para aqueles que defendem a segregação da sociedade entre brancos e negros, colocando uns contra os outros.
Essa gente não sabe como lidar com alguém como Éder, que ainda por cima é formado em História pela USP. Só resta-lhes rotular o jovem como um “traidor” ou, ápice do racismo, um “negro de alma branca”. Não é nada disso.
É apenas um negro que prefere focar nos argumentos e valorizar a meritocracia individual em vez de a cor da pele, mais uma entre tantas características que compõem o indivíduo.
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