sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Quando a esquerda não censura?(RC)


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Manuela Lavinas Picq, professora de relações internacionais na Universidade de San Francisco de Quito, no Equador, escreveu hoje um artigo publicado na Folha fazendo um mea culpa do autoritarismo das esquerdas latino-americanas. A professora começa elogiando as transferências de renda do governo populista de Rafael Correa, em busca da “justiça social”. E depois critica seu viés contra a imprensa livre.
Diz ela: “Um dos governos que mais investe em programas de redistribuição de renda para os pobres na América Latina é também o que mais censura a oposição”. Concordo com a segunda parte, não com a primeira. Ao menos não como se fosse algo positivo.
Não custa lembrar que Hugo Chávez, na Venezuela, fez enormes programas de “transferência de renda” para os pobres, assim como o PT no Brasil. Na prática, era puro populismo, compra de votos, dar o peixe sem ensinar a pescar, manter um mutirão de eleitores dependentes das esmolas estatais. Isso é realmente desejável?
Mas deixemos de lado essa parte, e falemos do segundo aspecto: isso sim, é inegável. Os governos bolivarianos não convivem bem com uma imprensa e uma oposição livres e independentes. A professora segue citando exemplos concretos de perseguição a jornalistas, o aparelhamento de entidades ligadas à imprensa, e todo tipo de subterfúgio para amordaçar as críticas.
Manuela se mostra desiludida com a constatação de que governos democráticos de esquerda também usam o poder do Estado contra seus cidadãos. Diz ela: “Nosso erro talvez tenha sido acreditar que movimentos sociais de esquerda, forjados em anos de resistência contra ditaduras militares, pudessem transformar a essência repressiva do Estado”.
É um avanço perceber isso. Questiono, claro, até que ponto os tais regimes militares já não foram uma reação aos métodos desses “movimentos sociais”. Não vamos ignorar que o contexto era da Guerra Fria, que a União Soviética financiava comunistas revolucionários na América Latina, que essa turma adotava práticas terroristas uma vez que os “nobres” fins justificavam quaisquer meios, e que jamais a liberdade e a democracia foram, de fato, suas metas.
Mas, deixando isso de lado, é alvissareiro ver que uma esquerdista acorda para aquilo que o liberal Lord Acton já dizia no século 19: o poder corrompe! E o poder absoluto corrompe absolutamente. Por isso a preocupação dos liberais sempre foi em limitar o poder estatal, e não tomá-lo para si, como se ungidos abnegados pudessem usar todo esse poder para “fazer o bem”.
Benjamin Constant foi outro grande liberal que estava mais preocupado com os riscos de abuso de poder do que com quem chega a ele. Montesquieu pregou a divisão dos poderes pelos mesmos motivos. Limites constitucionais foram sempre defendidos pelos liberais por isso também. O federalismo, descentralizando o poder e reduzindo a concentração na esfera central, tem o mesmo objetivo.
Enfim, liberais sempre souberam que os bens que o estado pode fazer são limitados; os males, ilimitados. E sabem também que o poder delegado ao estado para realizar a fantástica “justiça social” é também o poder para abusar do povo, escravizá-lo, tomar-lhe seus bens em nome da “igualdade”.
Manuela termina o artigo afirmando que ainda é preciso resistir, mas com novos modelos. E diz que é preciso abandonar o esquema binário e obsoleto de esquerda e direita. Entendo, mas não concordo. Todos que dizem que esquerda e direita são conceitos ultrapassados acabam pregando métodos bem… esquerdistas!
Se entendermos que esquerda é justamente essa defesa de concentração de poder no estado para a “justiça social”, e que a direita liberal prega justamente menos estado e mais liberdade individual, então não há porque temer a defesa do caminho pela direita. Manuela está chocada com a esquerda que censura. Não deveria. Raro é uma esquerda que não censura. Isso sim, seria algo espantoso e inusitado!
Rodrigo Constantino

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