sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

‘Fingi que estava morto para ser levado ao IML’, diz venezuelano (OGLOBO)

CARACAS — “Relaxa, que vamos matar você. Isso é rapidinho. Vocês não são ninguém.” Juan Manuel Carrasco, de 21 anos, e Jorge Luis León, de 25, que participaram de protestos contra o governo venezuelano, relembram seu próprio filme de terror, marcado por golpes, maus-tratos e tortura. Os dois foram detidos pela Guarda Nacional na última quinta-feira, depois de manifestações, e ficaram presos entre 55 e 60 horas até serem levados ante um juiz.

A crueldade descrita no relato começa desde a detenção. León, Carrasco, um amigo e uma garota esconderam-se em seu carro, mas foram tirados de lá à força pela Guarda Nacional. Os agentes queimaram o veículo depois, sob total impunidade.
— Foram tantos golpes que me fingi de morto, para que me levassem ao Instituto Médico Legal (IML). Para comprovar se eu estava mesmo morto, me cutucaram com um fuzil no ânus. Me mexi, e levei outro chute — lembra Jorge Luis León.
Desde o começo, Juan Manuel Carrasco enfrentou os guardas nacionais. Nascido na Venezuela, ele tem cidadania espanhola. Abandonou os estudos e trabalhava na carpintaria do pai, até a loja quebrar devido à crise que assola o país. Um rapaz corajoso, que encarou os policiais para defender uma garota e seus amigos.
— Reclamei nossos direitos. Eles me bateram bastante, nas costelas, na cabeça, com coronhadas e até com os capacetes — conta León. — Ao chegar à sede da Guarda Nacional de Tocuyito, colocaram um cachorro na nossa frente e mandaram que ele mordesse nosso pescoço. O bicho acabou lambendo nossas feridas. Depois nos forçaram a ficar ajoelhados, e três deles começaram a jogar futebol conosco. Chutaram nossas costas, enquanto gritavam gol.
Em outro momento do pesadelo de 48 horas, Carrasco foi afastado do grupo. Seus amigos pensaram que ele seria morto.
— Abaixaram minhas calças e introduziram o cano do fuzil no meu ânus — lembra o jovem, que desmaiou três vezes até ser liberado.
Quando foi levado à Corte, que decretou sua liberdade sob fiança, narrou as torturas à procuradora do governo.
— Ponha a mão em seu coração se tiver filhos — disse León a ela, que respondeu com lágrimas.
Carrasco insiste que no quartel da guarda venezuelana havia vários cubanos.
— Percebi pelo sotaque — diz.
Ele conta que seu grupo teve apenas a ajuda de dois guardas:
— Eles nos deram comida, e uma hora tiraram nossas algemas.
Carrasco e León estão bastante machucados. León sofre de fissura no crânio e muitas dores nas costelas, enquanto Carrasco tem hematomas nas costelas, no abdômen, na nuca e na cabeça.
— Nosso sistema de Justiça criminal é uma porcaria — denuncia o advogado e ativista Alfredo Romero, presidente da ONG Foro Penal.
Esta e outras organizações denunciaram vários abusos das forças policiais, que teriam usado de torturas com descargas elétricas a panos empapados em gasolina nos ferimentos dos manifestantes.


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