Leitores me pedem para comentar o projeto de reforma política aprovado pelo grupo de trabalho especial da Câmara dos Deputados que trabalhou por quatro meses no assunto. Relutei um pouco porque a matéria ainda precisa passar por pelo menos uma comissão da Câmara, a de Constituição e Justiça, ser aprovada pelo plenário e, depois, tramitar com todos os detalhes e pontos de parada pelo Senado.
De todo modo, os deputados da comissão, presidida pelo petista Cândido Vaccarezza (SP), formaram um razoável consenso em torno de diversos pontos. Comento os principais:
* O voto deixa de ser obrigatório.
Considero um avanço extraordinário para o aperfeiçoamento democrático.
Guardo, porém, profundo ceticismo quanto à possibilidade de a medida vingar ao longo de sua tramitação.
O voto obrigatório interessa a todos os políticos — governantes ou parlamentares — que apostam na ignorância, no despreparo e no desinteresse de muitos brasileiros pela política. Interessa aos manipuladores de opinião pública, aos titulares de currais eleitorais, aos que temem o voto consciente e lúcido.
Essa mudança notável NÃO VAI OCORRER porque, no Congresso, boa parte dos parlamentares se eleje e se beneficia das barbaridades do sistema eleitoral, do qual o voto obrigatório — que foi banido em praticamente todo o planeta, mesmo em democracias claudicantes e discutíveis — é um sustentáculo. Esses parlamentares se beneficiam da inércia de um sistema viciado para se perpetuarem em suas cadeiras, ou para nelas colocar seus herdeiros ou apaniguados.
* Acaba a reeleição para cargos executivos — de prefeito até presidente da República –, e os mandatos serão de quatro anos.
Acho, pessoalmente, perto do impossível que governantes, sobretudo presidentes, realizem obra duradoura em período tão curto. Sou, portanto, favorável à possibilidade de reeleição. No Brasil, o instituto foi introduzido da forma questionável que conhecemos — durante o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, e beneficiando, além do próprio presidente, 27 governadores e, à época, 5.565 prefeitos (hoje são 5.570), o que tingiu a reeleição com o carimbo do casuísmo.
A reeleição pode, sim, favorecer o uso da máquina pública pelos titulares. Mas para isso existem as instituições que devem coibir e punir abusos. Não significa que o instituto, em si, seja mau. Funciona muito bem em países como os Estados Unidos ou a França — sem contar que, nos regimes parlamentaristas, não há limites para a reeleição dos governos.
Este ponto causou problemas dentro da própria comissão. Imagino que vá tropeçar mais adiante. Há todo tipo de posturas no Congresso a respeito do tema — o PSDB, por exemplo, chegou a apresentar seu projeto de reforma no qual consta a reeleição, mas para um mandato de cinco anos, e não de quatro.
* Voto (quase) distrital
Os Estados serão divididos em circunscrições eleitorais, cada uma com direito a um determinado número de deutados — de quatro a sete –, com o objetivo declarado de aproximar o candidato do eleitor, e vice-versa. Dentro de cada circunscrição, são eleitos os mais votados.
É positiva a ideia de que o voto a deputado seja majoritário — ou seja, ganha quem é mais votado, e os muito votados deixam de “carregar” políticos sem-voto para a Câmara .
Mas pergunto: para que complicar a coisa com a criação de “circunscrições”? Por que não simplesmente criar, em cada Estado, um número de distritos correspondente ao número de deputados a que tem direito — cada distrito com aproximadamente a mesma população? Se São Paulo, por exemplo, dispõe de 70 deputados federais, que o Estado fosse dividido em 70 distritos, com população semelhante, e cada um elegesse, pelo voto majoritário, o seu representante.
Aí haveria, de fato, mais proximidade entre o deputado e seus eleitores — tanto para que o político conheça os problemas da comunidade como para que esta cobre do eleito o cumprimento das promessas feitas e a defesa dos interesses dos eleitores do distrito.
* Cláusula de desempenho
Existe em quase todas as democracias avançadas do mundo: se um partido não dispõe de representação social significativa, não pode chegar à Câmara dos Deputados.
No caso brasileiro, a comissão ficou num meio-termo: só terão acesso ao Fundo Partidário (dinheiro público recebido pelos partidos conforme a votação obtida na eleição para a Câmara) e a espaços no rádio e na TV as siglas que houverem obtido pelo menos 5% do total de votos do país nas eleições anteriores, distribuídos em um terço dos Estados. E haverá exigências de percentual de votos obtidos em relação ao total em cada circunscrição para que os deputados sejam considerados eleitos.
NÃO VAI PASSAR: a base de apoio ao governo lulopetista da presidente Dilma abriga um bando de legendas pequenas, que sobrevivem por várias maneiras — no caso do PCdoB, por exemplo, empoleirando-se no cangote do PT. Os “donos” das pequenas legendas, que não raro vendem literalmente o tempo de rádio e TV de seus partidos ao formar coligações, não vão de forma algum aceitar o fim da mamata. E com apoio do governo, vocês verão.
* Financiamento das campanhas
As doações só poderão ser feitas aos partidos políticos, e não a candidatos. Os partidos decidirão se utilizam dinheiro público (do Fundo Partidário), privado ou ambos nas campanhas, e a eles caberá a repartição dos recursos.
Um problemaço: em primeiro lugar, a disputa pelo dinheiro, dentro das legendas, será feroz e de difícil solução; em segundo lugar, a medida não impede, de forma alguma, que haja dinheiro — para empresas ou candidatos — debaixo do pano.
Em suma, a proposta de reforma política contém na maior parte medidas de pouca eficácia, e, naquilo que prevê de bom, não deverá ser aprovada. A menos que ocorram milagres.
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