quinta-feira, 7 de novembro de 2013

REFORMA POLÍTICA: o fim do voto obrigatório proposto — que seria um avanço extraordinário — NÃO VAI OCORRER porque boa parte dos parlamentares se beneficia da inércia de um sistema viciado para se perpetuar em suas cadeiras, ou para nelas colocar seus herdeiros ou apaniguados(Ricardo Setti)


O presidente da comissão sobre reforma política, deputado Candido Vacarezza ( ) entrega o projeto ao presidente da Câmara, Henrique Alves (terno azul, no centro) (Foto: Agência Câmara)
O presidente da comissão sobre reforma política, deputado Cândido Vaccarezza (à esquerda, calvo, de óculos ) participa do ato de entrega o projeto ao presidente da Câmara, Henrique Alves (terno azul, no centro) (Foto: Agência Câmara)
Leitores me pedem para comentar o projeto de reforma política aprovado pelo grupo de trabalho especial da Câmara dos Deputados que trabalhou por quatro meses no assunto. Relutei um pouco porque a matéria ainda precisa passar por pelo menos uma comissão da Câmara, a de Constituição e Justiça, ser aprovada pelo plenário e, depois, tramitar com todos os detalhes e pontos de parada pelo Senado.
De todo modo, os deputados da comissão, presidida pelo petista Cândido Vaccarezza (SP), formaram um razoável consenso em torno de diversos pontos. Comento os principais:
* O voto deixa de ser obrigatório.
Considero um avanço extraordinário para o aperfeiçoamento democrático.
(Ilustração: newasiabooks.com)
(Ilustração: newasiabooks.com)
Guardo, porém, profundo ceticismo quanto à possibilidade de a medida vingar ao longo de sua tramitação.
O voto obrigatório interessa a todos os políticos — governantes ou parlamentares — que apostam na ignorância, no despreparo e no desinteresse de muitos brasileiros pela política. Interessa aos manipuladores de opinião pública, aos titulares de currais eleitorais, aos que temem o voto consciente e lúcido.
Essa mudança notável NÃO VAI OCORRER porque, no Congresso, boa parte dos parlamentares se eleje e se beneficia das barbaridades do sistema eleitoral, do qual o voto obrigatório — que foi banido em praticamente todo o planeta, mesmo em democracias claudicantes e discutíveis — é um sustentáculo. Esses parlamentares se beneficiam da inércia de um sistema viciado para se perpetuarem em suas cadeiras, ou para nelas colocar seus herdeiros ou apaniguados.
* Acaba a reeleição para cargos executivos — de prefeito até presidente da República –, e os mandatos serão de quatro anos.
Acho, pessoalmente, perto do impossível que governantes, sobretudo presidentes, realizem obra duradoura em período tão curto. Sou, portanto, favorável à possibilidade de reeleição. No Brasil, o instituto foi introduzido da forma questionável que conhecemos — durante o primeiro mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, e beneficiando, além do próprio presidente, 27 governadores e, à época, 5.565 prefeitos (hoje são 5.570), o que tingiu a reeleição com o carimbo do casuísmo.
A reeleição pode, sim, favorecer o uso da máquina pública pelos titulares. Mas para isso existem as instituições que devem coibir e punir abusos. Não significa que o instituto, em si, seja mau. Funciona muito bem em países como os Estados Unidos ou a França — sem contar que, nos regimes parlamentaristas, não há limites para a reeleição dos governos.
Este ponto causou problemas dentro da própria comissão. Imagino que vá tropeçar mais adiante. Há todo tipo de posturas no Congresso a respeito do tema — o PSDB, por exemplo, chegou a apresentar seu projeto de reforma no qual consta a reeleição, mas para um mandato de cinco anos, e não de quatro.
* Voto (quase) distrital
Os Estados serão divididos em circunscrições eleitorais, cada uma com direito a um determinado número de deutados — de quatro a sete –, com o objetivo declarado de aproximar o candidato do eleitor, e vice-versa. Dentro de cada circunscrição, são eleitos os mais votados.
É positiva a ideia de que o voto a deputado seja majoritário — ou seja, ganha quem é mais votado, e os muito votados deixam de “carregar” políticos sem-voto para a Câmara .
Mas pergunto: para que complicar a coisa com a criação de “circunscrições”? Por que não simplesmente criar, em cada Estado, um número de distritos correspondente ao número de deputados a que tem direito — cada distrito com aproximadamente a mesma população? Se São Paulo, por exemplo, dispõe de 70 deputados federais, que o Estado fosse dividido em 70 distritos, com população semelhante, e cada um elegesse, pelo voto majoritário, o seu representante.
Aí haveria, de fato, mais proximidade entre o deputado e seus eleitores — tanto para que o político conheça os problemas da comunidade como para que esta cobre do eleito o cumprimento das promessas feitas e a defesa dos interesses dos eleitores do distrito.
* Cláusula de desempenho
Existe em quase todas as democracias avançadas do mundo: se um partido não dispõe de representação social significativa, não pode chegar à Câmara dos Deputados.
No caso brasileiro, a comissão ficou num meio-termo: só terão acesso ao Fundo Partidário (dinheiro público recebido pelos partidos conforme a votação obtida na eleição para a Câmara) e a espaços no rádio e na TV as siglas que houverem obtido pelo menos 5% do total de votos do país nas eleições anteriores, distribuídos em um terço dos Estados. E haverá exigências de percentual de votos obtidos em relação ao total em cada circunscrição para que os deputados sejam considerados eleitos.
NÃO VAI PASSAR: a base de apoio ao governo lulopetista da presidente Dilma abriga um bando de legendas pequenas, que sobrevivem por várias maneiras — no caso do PCdoB, por exemplo, empoleirando-se no cangote do PT. Os “donos” das pequenas legendas, que não raro vendem literalmente o tempo de rádio e TV de seus partidos ao formar coligações, não vão de forma algum aceitar o fim da mamata. E com apoio do governo, vocês verão.
(Ilustração: revistaforum.com.br)
(Ilustração: revistaforum.com.br)
* Financiamento das campanhas
As doações só poderão ser feitas aos partidos políticos, e não a candidatos. Os partidos decidirão se utilizam dinheiro público (do Fundo Partidário), privado ou ambos nas campanhas, e a eles caberá a repartição dos recursos.
Um problemaço: em primeiro lugar, a disputa pelo dinheiro, dentro das legendas, será feroz e de difícil solução; em segundo lugar, a medida não impede, de forma alguma, que haja dinheiro — para empresas ou candidatos — debaixo do pano.
Em suma, a proposta de reforma política contém na maior parte medidas de pouca eficácia, e, naquilo que prevê de bom, não deverá ser aprovada. A menos que ocorram milagres.

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