Em sua coluna de hoje no GLOBO, Francisco Bosco defende que a família tradicional comporta praticamente tudo. Antes de entrar nessa questão, porém, gostaria de compreender o que ele quis dizer com a seguinte passagem:
Em 50 anos, homossexuais, por exemplo, eram francamente tachados de doentes pervertidos na revista “Time”, enquanto hoje o casamento gay abre caminho em diversos países do mundo (obviamente as resistências continuam enormes). Por outro lado, o projeto Genoma abre a possibilidade de uma espécie de eugenia liberal, isto é, não encampada por grandes ideologias ou políticas oficiais, como as que assombraram os séculos XIX e XX.
Eugenia liberal? Que diabos é isso? A eugenia não tem absolutamente nada a ver com o liberalismo. Ao contrário: grupos de esquerda muitas vezes flertaram com ela, e até hoje muitos o fazem. Quem defende “saúde perfeita” e a eliminação de seres humanos indesejados não é o liberalismo, que isso fique claro. E as ideologias que assombraram o século xx foram o comunismo, o socialismo, o fascismo e o nacional-socialismo, tudo com claro viés de esquerda e antiliberal, apesar da propaganda ao contrário. Mas voltemos ao texto:
A deterioração da tradição, junto às novas tecnologias, propiciou a invenção de múltiplas formas parentais. Pode-se mesmo dizer que a forma ortodoxa da família com pais casados e heterossexuais já não é ela mesma tradicional, uma vez que não tem mais referências estáveis, ou elas não são garantia de nada. O próprio Solomon tem dois enteados (seu marido foi pai biológico de duas crianças que tiveram como mães um casal de amigas lésbicas), um filho com uma amiga e ainda um filho com seu marido, gestado por uma das mães lésbicas dos filhos do marido.
Nota final: não apenas essa última frase, mas todo esse grande livro nos relembra o quão conservador e preconceituoso é o Brasil em matéria de experimentações civis e direitos de minorias.
Não fica claro que deterioração da tradição é essa, mas uma coisa é certa: se tudo é tradição, então nada é tradição. A forma mais fácil de destruir um conceito e flexibilizá-lo o suficiente para abarcar qualquer coisa. Não vale mais nada.
Se uma família formada por papai e mamãe e seus filhinhos não é mais tradicional, o que é? Isso não é uma defesa para que somente esse tipo de família seja aceito, mas sim um combate ao eufemismo malandro do autor. Querer incorporar à tradição qualquer formação “familiar” moderna é matar justamente o sentido do termo tradição. Qual o limite?
Uma mulher que quer casar com uma “ponte” constitui uma família tradicional? O sujeito que ama uma cabra, como o personagem de Woody Allen, terá uma família tradicional também? Um trio de dois homens e uma mulher, também serão uma família tradicional? Percebem que o intuito do autor é claramente repudiar a tradição em nome do “progressismo”, e fazer isso usando o próprio conceito de tradição, que é caro a muita gente ainda?
Por fim, o esquerdista defensor do PSOL e dos Black Blocs não poderia deixar de misturar conservador e preconceituoso na mesma frase, como se fossem sinônimos, e como se apenas ele, o progressista, não tivesse preconceito. Ah, mas pergunte o que ele acha dos… conservadores tradicionais. Garanto que todo o seu preconceito virá à tona, como já veio nesse artigo.
Os progressista toleram tudo e todos, desde que pensem exatamente como eles. Sua diversidade é similar àquela de Ford, que dizia que o cliente podia escolher qualquer cor de carro, desde que fosse preto. A família tradicional mesmo, formada por papai, mamãe e filhinhos, essa é vítima de preconceito dos progressistas. Se frequentar a missa aos domingos então, é caso de hospício!
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