Sob ameaça de sofrer um duro revés nas eleições municipais de 8 de dezembro, vistas como uma espécie de referendo de seu desastroso governo, o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, pediu ajuda ao Brasil para contornar a crise de desabastecimento no país, o mais sério dos inúmeros problemas de sua administração.
O modelo estatista feroz, com preços controlados e hostilidade à produção privada, esvaziou as prateleiras dos supermercados venezuelanos. As imensas filas para comprar os mais diversos produtos de primeira necessidade – o papel higiênico é o símbolo desse calvário – tornaram-se a marca do governo Maduro.
Em vez de admitir os erros de sua administração e procurar resolvê-los de modo racional, o presidente venezuelano optou pelo caminho típico do chavismo: atribuiu a escassez à “sabotagem” de capitalistas e disse que agora trava uma “guerra econômica” contra esses “agentes do imperialismo”. A “guerra” inclui impedir que a imprensa noticie o desabastecimento, porque, segundo sua versão tresloucada, é isso que leva pânico à população e gera corrida aos supermercados.
É em nome desse combate imaginário que Maduro pediu ao Congresso “poderes especiais” para governar – poderes cujo escopo, obviamente, deverá ir muito além da emergência econômica.
Para o governo petista, porém, Maduro e sua equipe sabem o que estão fazendo. “Eles têm consciência dos problemas em curto, médio e longo prazos no país e estão muito preocupados em enfrentar, de forma clara e estratégica, as dificuldades históricas da economia venezuelana”, disse ao jornal Valor o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia.
Ao considerar que a crise da Venezuela faz parte de “dificuldades históricas”, Garcia quer fazer crer que a situação atual resulta de problemas antigos, estruturais, e não das evidentes lambanças chavistas. É provável que Garcia considere também que a importação emergencial de alimentos seja parte, conforme suas palavras, de um planejamento “claro e estratégico” para enfrentar a crise.
Esse “planejamento” conta com a bondade brasileira. Como faltam dólares na Venezuela para realizar a importação, graças ao controle do câmbio, o Brasil pretende usar o Programa de Financiamento às Exportações (Proex), do Banco do Brasil, num acordo com o Banco de Venezuela. Segundo essa solução, ainda a ser detalhada, o Banco de Venezuela receberia o dinheiro do financiamento e quitaria a importação diretamente aos fornecedores brasileiros, sem ter de passar pela Cadivi, o órgão venezuelano que regula o câmbio. O Banco de Venezuela pagaria o financiamento ao Banco do Brasil em suaves prestações.
Com tal garantia, a expectativa do governo é de que os empresários brasileiros superem a crescente desconfiança em relação à Venezuela – convidadas a incrementar as exportações àquele país nos últimos anos, seguindo a orientação da agenda Sul-Sul do governo petista, muitas empresas nacionais enfrentam agora grandes atrasos no pagamento. Como resultado, as exportações para a Venezuela no primeiro semestre do ano foram quase 16% inferiores às do mesmo período de 2012.
Em outras palavras, se as negociações prosperarem, o risco de calote dos importadores venezuelanos seria assumido pelo Banco do Brasil – em nome do compromisso ideológico do governo petista com o chavismo, com cujas agruras o contribuinte brasileiro não tem rigorosamente nada a ver.
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