sexta-feira, 23 de maio de 2014

Bolha imobiliária no Brasil? – Liberzone

Partimos nossa breve revisão histórica do mercado imobiliário a partir da década de 90. O cenário era desolador. O BNH (Banco Nacional da Habitação), grande responsável por financiar o mercado imobiliário, havia sido extinto em 1986. As poucas transações realizadas no setor eram vendas feitas diretamente das construtoras para consumidores de alta renda.
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Em 2002, o mercado imobiliário chegou ao “fundo do poço”. Nesse ano foram registrados recordes negativos de 30 mil unidades financiadas em todo país com recursos da Poupança, a principal fonte de financiamento do mercado imobiliário até hoje.
O cenário perdurou até 2004 quando, juntamente com a melhora da conjuntura macroeconômica global, que beneficiaria bastante a economia brasileira, foi aprovada uma lei que mudaria a perspectiva do mercado imobiliário de forma radical. Na época estava em plena operação o esquema do Mensalão, que certamente facilitou a aprovação da lei 10.931/2004, considerada um marco no mercado imobiliário.

“Dai a César o que é de César”

O então Ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e sua equipe foram os grandes responsáveis pela elaboração e aprovação da nova Lei que viria a revolucionar o panorama do mercado imobiliário brasileiro.
Segundo fontes do setor, “três palavras resumem o sentido da Lei nº 10.931/2004: segurança jurídica, transparência e credibilidade”.
Os dispositivos contidos na lei eram dos mais diversos. Os principais são:
Permitir a segregação do acervo de cada incorporação imobiliária, mediante a constituição do Patrimônio de Afetação, o que na teoria torna cada empreendimento independente da incorporadora, levando a que eles não sejam afetados no caso de uma falência da empresa incorporadora. Todo país estava traumatizado pela falência da então maior incorporadora do Brasil, a Encol, apenas 5 anos antes, em 1999, que havia deixado mais de 700 obras inacabadas, 42 mil compradores sem imóveis e 11 mil funcionários sem salários.
Foram criados alguns instrumentos de crédito para facilitar a existência de fontes alternativas de recursos para financiamento imobiliário que não fossem apenas os recursos do SBPE, que é algo complicado de explicar, mas podemos resumir como sendo os recursos que você e dezenas de milhões de brasileiros colocam na poupança.
Passou a permitir a Cessão Fiduciária de Direitos sobre coisas móveis e sobre títulos de crédito, simplificando o processo de busca e apreensão de bens objeto dos contratos de Alienação Fiduciária de Bens Móveis. Resumindo esse juridiquês, basicamente agora seria possível um banco retomar a casa de um devedor inadimplente, coisa que era considerada missão impossível quando o empréstimo era garantido por hipoteca.
Com todo esse choque no ordenamento jurídico, os investidores empolgados pelas novas oportunidades que se abriram despejaram centenas de bilhões de recursos no setor. Os bancos passaram a utilizar os fartos recursos captados via caderneta de poupança para realizar empréstimos para o setor imobiliário, visto que agora existia segurança jurídica suficiente contra o calote.
Somente em 2006, seis companhias imobiliárias abriram capital na Bovespa. No ano seguinte fora 13!
O volume de empréstimos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) passou de 100 bilhões para quase 450 bilhões em 10 anos.

Bolha ou não-bolha, eis a questão?

De repente, em conversas de bar ou nas fila da padaria, começou a surgir os comentários sobre como o preço dos imóveis estava subindo de maneira impressionante! Investir em imóveis passou a ser uma das principais opções de investimento da classe média alta.
Alguns analistas mais atentos começaram a se questionar se o fenômeno que estava acontecendo não acabaria de maneira similar ao que havia ocorrido alguns anos antes no mercado americano de imóveis, com preços despencando com a mesma velocidade que avassaladora subiram.
Mas como confirmar ou refutar essa tese? Parecia impossível. Os EUA é um país aficionado por estatísticas. Quem já teve a chance de assistir a uma transmissão de um dos 3 esportes tipicamente americanos sabe a quantidade quase infinita de estatísticas que eles recolhem.
Lá na terra do Tio Sam é possível construir uma série temporal com o preço dos imóveis desde os anos 1800 até os dias atuais. Já em terras tupiniquins não existia nenhum indicador capaz de ao menos medir a alta de preços que parecia estar ocorrendo de maneira generalizada.
Em 2011, a Fipe em parceria com o portal de anúncios de imóveis ZAP, criou o Índice FipeZap de Preços de Imóveis Anunciados, o primeiro indicador com abrangência nacional que acompanha os preços de venda e locação de imóveis no Brasil.  Esse indicador, por registrar apenas os preços de oferta de venda registrados e não o valor das transações, foi bastante criticado. Num país em que se pechincha tudo é extremamente comum um vendedor anunciar determinado imóvel por R$100 mil para, na negociação, conseguir vendê-lo com seus 10% de desconto.
Em abril de 2013, uma surpresa: o Banco Central divulgou uma série temporal com o preço de avaliação dos imóveis objeto de garantia de empréstimos imobiliários. Fantástico! Finalmente havia uma base de dados confiável com razoável histórico, já que o Banco Central calculou toda a série retroativa até 2001, antes da lei nº 10.931/2004 e portanto antes do frenesi começar.
Existem várias definições e teorias de como se detectar uma bolha. A que considero mais correta diz que não é sustentável vermos os preços dos imóveis de todo o país crescer continuamente acima do seu custo de construção. A base dessa fundamentação diz que sempre que o preço estiver subindo mais rápido que o seu custo, abre-se uma oportunidade para empreendedores entrarem no mercado de forma a ‘arbitrar’ essa diferença, construindo novas casas ou até novas cidades.
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Foi isso que Robert Shiller verificou ao longo da história americana. Nos 110 anos estudados, o preço dos imóveis sempre andou junto com o crescimento do custo de construção. Houve períodos momentâneos de descolamento, como após a 2ª Guerra – já que durante esse período todos os insumos foram direcionados para o esforço da guerra e a construção de novas casas terminaria paralisada – mas esse aumento de preços acima do crescimento de custo logo se corrigiria e ambos passaram a seguir a mesma trajetória.
Ocorre que no começo dos anos 2000, devido a uma grande conjunção de fatores, entre os quais destaco a injeção monetária sem precedentes realizada pelo Banco Central Americano, graças a agências de ratings corruptas e leis que incentivavam o comportamento de risco por parte dos bancos, os preços dos imóveis passaram a subir acima da inflação do custo de construção de forma que nunca se vira antes. Foi um frenesi.
De janeiro de 2000 até março de 2006 os preços dos imóveis haviam subido incríveis 61%, enquanto o custo da construção subiu meros 5%.
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O que se verificou em seguida foi uma grande correção dos preços dos imóveis, de forma a devolver toda a alta acumulada no período, retornando de forma disciplinatória para uma valorização próxima ao crescimento do custo da construção civil.

Mas e o Brasil, Bruno?

No Brasil entre março de 2001, período em que começa o cálculo de preços realizado pelo banco Central e junho de 2007, o preço dos imóveis residenciais subiu menos que a inflação da construção civil, medida pelo INCC da FGV.
O que tem se verificado desde 2007 é uma alta de preços acima da inflação de custos sem precedentes.
De lá pra lá o preço dos imóveis residenciais subiram 240,4% acima do custo da construção!
Lembram que no caso americano foram apenas 56%? Pois é, nossos preços estão descolados dos custos mais de 5x o que o mercado americano registrou no auge da sua bolha!
bolhabrasil
Salve-se quem puder!

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