terça-feira, 14 de julho de 2015

Por que vocês não desistem, comunas? (RC)


Gosto quando Arnaldo Jabor traz à tona as reminiscências de sua juventude utópica e comunista. São seus melhores textos, ao contrário de quando resolve falar da política americana, quando ainda deixa transparecer o ranço ideológico dessa época, ao elogiar os Democratas esquerdistas e demonizar a direita Republicana. Em sua coluna de hoje, Jabor foi preciso ao retratar a insistência dogmática dos comunas no erro: são incapazes de aprender com eles, e a cada nova experiência fracassada, concluem que é preciso redobrar os esforços na mesma direção. Há definição melhor de estupidez?
A chegada dos velhos comunas ao poder expôs o vácuo de ideias dessa turma, assim como sua incapacidade administrativa. Se antes a esquerda era romântica e utópica, hoje passou a ser apenas cínica, defendendo o banditismo, o lulopetismo, em troca de cargos ou esmolas. Como Jabor reconhece, o romantismo de antanho era “meio babaca”, mas era a única forma que essa gente tinha para enxergar o mundo na época da Guerra Fria.
Claro, não é exatamente verdade isso, pois mesmo naquele contexto não foram poucos os que viram o embuste do socialismo revolucionário, e em vez de terem orgasmos com a chegada dos barbudos ao poder em Cuba, tiveram calafrios. Mas, naturalmente, havia um atenuante para quem se encantou com a alternativa socialista antes de todos os seus fracassos se tornarem públicos e notórios. Hoje, qual a desculpa? Como alguém ainda consegue defender o socialismo? A tentativa de monopolizar as virtudes continua sendo uma das principais explicações, como reconhece o próprio Jabor:
Nós éramos mais “puros”, mais poéticos, mais heroicos que os meus colegas de PUC, todos já de gravatinhas adultas. Como era bom se sentir acima dos outros, não por competência ou cultura, mas por superioridade ética. Os operários eram nossa meta existencial. Para nós eles eram o futuro da Humanidade. Nas oficinas do jornal estudantil que eu fazia, crivavam-nos de perguntas e agrados, sendo que os ditos operários ficavam desconfiados e pensavam que nós éramos veados e não fervorosos “revolucionários”.
Naquele tempo não era possível pensar de outro jeito. De Sartre a Brizola, não havia outra ideologia disponível. A guerra fria dividia o mundo em duas facções, e a tomada do poder de Fidel Castro inebriou nossos desejos. Mesmo delirando em utopias, queríamos verdadeiramente, romanticamente salvar o país, contra o “imperialismo americano, o latifúndio e a direita espoliadora”. Não havia espaço para outras ideias, e quem ousasse pensar diferente era canalha, lacaio dos americanos. Por exemplo, Raymond Aron era de “direita” porque discordou do Sartre, pois esse incitava seus leitores para agir; Aron ensinava-os a pensar. Como acreditávamos nessa dualidade, ela virou uma verdade incontestável. E essas “verdades” criaram uma nova linguagem que praticávamos com fé e determinação. Em vez dos fatos, a linguagem bastava e nos movia. A linguagem ignorava o mundo real, chato e complexo demais para a mutação histórica que faríamos pois, afinal, éramos os “sujeitos da história”. Só as palavras simplistas explicavam nossa visão de mundo: alienação, massa atrasada, massa avançada, conscientização, sectarismo, aventureirismo, reacionarismo, entreguismo, proletariado, democracia burguesa e a palavra sagrada que tudo justificava: o “povo”.
Eis aí uma bela definição do que ainda move muito comuna: eles desejam se sentir superiores, só por serem de esquerda. Eles acham que entenderam melhor o mundo, em vez dos “alienados” da classe média, os burgueses, pois eles têm mais “consciência política”. Eles estão do lado “certo” da História, pois condenam as “injustiças” do mundo capitalista, a ganância (dos outros), o lucro (dos outros), e resumem tudo a um simplismo dicotômico pra lá de infantil: os virtuosos de esquerda, e os malvados capitalistas. Como é simples e confortante essa visão de mundo! Esses “intelectuais” estão em contato pleno com o “povo”, enquanto abstração. É uma droga poderosa, um entorpecente e tanto.
O que espanta Jabor, que foi um deles, é sua incapacidade de mudança, de aprender com os próprios erros. Isso também sempre me espantou, apesar de jamais ter sido de esquerda. Como pode esse pessoal repetir a mesma ladainha meio século depois, como se nada tivesse acontecido nesse período que derrubasse cada bandeira socialista? Como alguém pode defender Cuba hoje? Como alguém pode manter o mesmo discurso idiota contra o capitalismo, o lucro, a ganância, o “imperialismo ianque”? “Eles não mudam nunca”, desabafa Jabor. Persistem na mesma marcha da insensatez. Jabor conclui, usando um grande pensador brasileiro:
Nunca me esqueço de um debate do grande intelectual “aroniano” José Guilherme Merquior com dois marxistas na TV. Os dois falavam sempre dos erros da esquerda, mas considerados apenas como “percalços” de uma marcha triunfal para o futuro. Eles diziam, batendo no peito: “Erramos no stalinismo, na Hungria, em Praga, aqui erramos em 1935, 1964, em 1968, mas continuaremos lutando.” Merquior respondeu na lata: “Por que vocês não desistem?”
Uma boa pergunta: por que vocês não desistem? Talvez a resposta seja dura: porque não conseguem ser diferentes, por falta de inteligência, ou de caráter. Porque necessitam desse ópio como um viciado necessita da pedra de crack. Porque sem esses dogmas, eles se sentem totalmente desamparados. Porque são covardes. Porque são muito vaidosos e amam a autoimagem de “altruístas” refletida no espelho quebrado de suas casas. Porque são oportunistas. Porque são burros mesmo. Enfim, temos algumas alternativas, mas a pergunta permanece: por que vocês não desistem, comunas?

Nenhum comentário:

Postar um comentário