terça-feira, 10 de dezembro de 2013

A tradição estatólatra da América Latina (RC)


Lendo para um colóquio um capítulo de The Capitalist Revolution in Latin America, de Paul Craig Roberts e Karen LaFollete Araujo, tive aquela sensação de déjà vu. O nosso continente, com raras exceções, é mesmo um caso de eterno retorno ao começo. E lá se encontra sempre o estado inchado.
O capítulo em questão trata daquilo que todos nós já sabemos: a tradição estatizante da América Latina. Só que quantifica e exemplifica, com vários casos e dados, aquilo que tínhamos apenas noção abstrata. A concentração de poder na esfera estatal é a marca registrada da tradição ibérica.
O mercado existente nas colônias espanholas e portuguesas era de cargos públicos, não de bens e serviços. Um sistema que incentivava a competição por cargos oficiais, mas impedia o empreendedorismo, não tinha mesmo como fomentar um mercado de capitais e instituições necessárias para uma livre sociedade.
A “House of Trade” (“Casa de Contratación”), também conhecida como “India House”, criada em 1503, detinha o monopólio do comércio nas colônias espanholas, com jurisdição que abrangia da Espanha até o Caribe ou Patagônia. Cada aspecto do comércio era regulado por ela. Nenhum navio zarpava sem sua permissão.
Em contraste ao modelo americano, com o poder disperso entre milhões de comerciantes, a “House of Trade” concentrava todo poder e delegava grande responsabilidade a poucos. Todos olhavam para o governo, portanto, como a fonte de oportunidade econômica.
Os mercados não tinham como funcionar livremente, com seu mecanismo de informação dispersa e “feedback” para os agentes tomadores de decisões. A primazia da política sobre o mercado significava, desde cedo, que os fracassos eram subsidiados e o sucesso penalizado.
Em um ambiente em que o governo era tido como o último detentor das riquezas, a venda de cargos públicos era vista como um meio para gerar receitas. Havia um intenso mercado de postos no governo, com leilões de posições de destaque e tudo. A política era uma atividade privada, ou seja, o patrimonialismo.
O esforço voltado para atividades empreendedoras era desviado para atividades no governo. Todos desejavam um emprego público como caminho para construir a própria fortuna ou gozar de estabilidade. Era difícil ficar rico produzindo algo de valor no mercado, até porque uma legião de burocratas arbitrariamente taxava ou regulava a atividade econômica.
O que os americanos chamariam de corrupção era apenas a forma pela qual o sistema espanhol operava nas colônias latino-americanas. A classe burocrática se entrincheirou e passou a ver a monarquia como sua propriedade. O próprio rei era constantemente roubado por seus subalternos, que concentravam imenso poder discricionário.
Monopólios abundavam, em acordo entre governo e “amigos do rei”, a economia era fechada, colônias não podiam concorrer entre si, e cada mínimo detalhe da produção era controlado pelo estado. Os direitos de propriedade eram, na verdade, privilégios concedidos, não recompensas pelo mérito próprio do trabalho produtivo.
A Igreja Católica participava da classe dominante, e possuía vastas terras. Os latifúndios eram formados com base nas restrições legais e inúmeras regulações que dificultavam a revenda das terras. O uso do solo era bastante controlado pelo estado, e terras eram confiscadas com base em regras ambíguas.
Com esse cenário, as inovações que permitiram a Revolução Industrial na Inglaterra não estavam presentes na Espanha e em suas colônias, pois o clima era hostil aos empreendedores. Até mesmo o preço do pão era regulado pelo estado!
Como resultado, faltavam produtos básicos no mercado. Para revolver tais problemas, a solução era sempre mais interferência do governo. Crises severas e rebeliões eram constantes.
O mercado de trabalho não florescia por restrição do governo, o mercado financeiro era subdesenvolvido e a Igreja Católica atuava como banqueira das elites. O contrabando era comum, e funcionários do governo facilitavam o mercado negro sob propinas, aprovando documentações falsas.
O sistema favorecia os que buscam privilégios, não os produtores eficientes, e drenava talentos, energia e recursos escassos das atividades que poderiam desenvolver a economia. Ou seja, o sistema maximizava a ineficiência e o desperdício.
Resta saber: mudou tanta coisa assim? Ou continuamos um continente que, via de regra, ainda olha para o estado como solução para nossos males, e para a atividade empreendedora econômica com enorme desconfiança, como se fosse coisa de exploradores?
Pesquisa recente da Datafolha mostrou que 70% dos entrevistados acham que cabe ao estado ser a locomotiva do progresso. Não aprenderam nada com a história!

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