terça-feira, 17 de março de 2015

PSDB, SOCIALISTAS ESQUERDISTAS ENRUSTIDOS. CHEGA DE ESQUERDISMO, POR UMA OPOSIÇÃO VERDADEIRA. OU:"A Social Democracia pós-Socialismo Real"(Carlos I. S. Azambuja)


A partir dos anos 70 já se tornava visível e inequívoca a crise subjacente nos partidos de esquerda de todo o mundo. Essa crise agravou-se pelo colapso do comunismo, a partir da queda do Muro de Berlim, em 1989, e do fim do Estado soviético, em 1991, tido como a "pátria do socialismo".
Contrariando observadores otimistas, o desmantelamento geral não se transformou em tônico para a Social-Democracia que, ao contrário do comunismo, havia feito, em 1959, na Conferência de Bad Goldesberg, sua opção histórica pelas reformas por via constitucional. A Social-Democracia, defensora do Estado do bem-estar social, do pleno emprego, de programas para reduzir o desemprego, de uma economia mista com um setor obrigado a prestar contas ao governo, parece agora impotente, pois todos esses elementos estão em eclipse ou em declínio.

O pleno emprego desapareceu, ocasionando dificuldades para deter a escalada dos custos da previdência social; a universalização do ensino não produz os efeitos desejados e as escolas públicas, espaços empobrecidos e abandonados, transformaram-se em uma fonte endêmica de insatisfação; a autoridade dos governos e parlamentos vem sendo enfraquecida com a transferência de poder para conselhos intergovernamentais ou para os mercados de capitais, que gozam da extraterritorialidade; as estratégias nacionais estão desaparecendo por toda a parte; e o espaço político deslocou-se dos partidos para os shows de TV e dos discursos para os clipes.

Em alguns países a tradição comunista persiste, numa sobrevida incerta, congregando, ainda, uma minoria de militantes e eleitores, pois o grau em que a esquerda rompeu com a doutrina e a disciplina ortodoxas, a partir de 1989, varia enormemente. No Brasil, por exemplo, o Partido Popular Socialista, que ainda em janeiro de 1992, quando foi criado, dizia-se "herdeiro das tradições daquele partido (PCB) fundado em 1922", transformou-se em um partido social-democrata, como comprovam as Resoluções aprovadas em seu XI Congresso, em 1996.

Por outro lado, a postura de outros partidos, como os PC Português e Grego, permaneceu basicamente inalterada. O PC Francês, assolado por um sem número de dissidências internas, continua sendo uma versão exaurida de si mesmo em outros tempos. O PC Italiano transformou-se rapidamente no Partido Democrático de Esquerda, deixando, no entanto, como viria a ocorrer com o PPS, no Brasil, um resíduo ativo à sua esquerda, a Refundação Comunista. E na Itália, o PSI-Partido Socialista Italiano, que governou o país por vários anos, deixou de existir, saindo de cena desmoralizado pela corrupção de seus dirigentes e a descoberta dos "acordos de cavalheiros" concretizados com a Máfia.

Embora em todos os países permaneça existindo uma esquerda além dos limites da Social-Democracia, ela pouco contribui, no entanto, para modificar os dilemas programáticos, seja dela própria, seja da Social-Democracia.

Deve ser assinalado, no entanto, que em época alguma os partidos da II ou da III Internacional, ou seus sucedâneos do pós-II Guerra Mundial, se assentaram em uma base social homogênea, embora até o final dos anos 60 a classe trabalhadora manual ocupasse o centro magnético de toda e qualquer coalizão social que os partidos de esquerda pudessem conformar. O proletariado industrial sempre foi o maior componente numérico de seus seguidores, estruturalmente o melhor organizado e, digamos, moralmente o mais respeitável, embora suas lideranças fossem formadas por intelectuais ou profissionais liberais, como, aliás, ocorre até hoje naqueles partidos que resistiram ao terremoto e insistem em fazer um boca-a-boca no socialismo real.

Atualmente, o proletariado declinou para um pouco mais de 1/4 da população economicamente ativa, e é uma classe em virtual extinção, já sendo superada, em quase todos os países, pelo número de empregados no setor terciário. Com a queda das taxas de natalidade e o aumento da expectativa de vida, aumentaram o peso dos idosos no conjunto da população e cerca de 1/3 da vida do adulto médio se passa atualmente após sua saída do mercado de trabalho, sobrecarregando enormemente os sistemas de previdência e de assistência médica, que passaram a absorver uma média de 2/3 de todos os gastos sociais, segundo os entendidos.

Isso faz com que a força de trabalho assalariada fique imprensada, abaixo de si, pelos adolescentes que buscam, a cada ano, entrar no mercado de trabalho e, acima de si, por essas necessidades previdenciárias da "terceira idade", um ponto potencial de pressão política. Essas tendências tendem a desagregar o proletariado e todos os demais trabalhadores, outrora um mercado cativo para as investidas da esquerda. Essa desagregação, que é contínua, torna intrinsecamente mais árdua a tarefa de mobilização para qualquer mudança radical, e sobretudo para a contestação do status-quo.

A atual internacionalização dos fluxos de capital, liberados pela desregulamentação dos mercados financeiros, tornaram cada vez mais difícil promover desvalorizações cambiais para restaurar balanças comerciais, e baixar taxas de juros para estimular a demanda. Essas eram, até um passado recente, as duas armas mais freqüentemente utilizadas pelos governos para a administração de crises. Hoje, todavia, a mobilidade das transações especulativas, instantaneamente sensíveis a temores de inflação, solapa os efeitos de ambas.

Na Europa Ocidental, desde os anos 80 e fundamentalmente após o Tratado de Maastrich, a perda da autonomia nacional sobre a política monetária vem se tornando, em geral, cada vez mais pronunciada.
Em todo o mundo, a política fiscal foi afetada, com maior ou menor força, pela globalização da economia e do capital, e a antiga opção da Social-Democracia na Europa Ocidental, onde historicamente ela sempre foi forte, de impor taxas elevadas aos empresários, provoca, hoje, reações de retração. Recorde-se que no período do pós-guerra, o nível geral de impostos cresceu, nos países da OCDE, ao longo do tempo, por cerca de 30 anos, período que correspondeu ao crescimento constante dos gastos públicos.

Mas, na medida em que o peso desses gastos tornou-se mais elevado, com o aumento do número de aposentados e desempregados, o endividamento aumentou, o peso dos direitos adquiridos tornou-se mais elevado, e a cobrança de tributos indiretos - especialmente sobre o consumo - cresceu até um ponto em que foi criado um consenso social, graças à ação dos partidos chamados "de direita", que tornou difícil para quaisquer partidos de esquerda, no poder ou fora dele, propor medidas que corressem o menor risco de se transformarem em aumentos de impostos, sem o perigo de caminhar para um suicídio eleitoral. Além disso, não há como ignorar a presença do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, desde um certo tempo, nos vestíbulos dos Estados nacionais.

A aversão a impostos colocou, em toda parte, a esquerda na defensiva e, espremida entre uma base social em mutação e um horizonte político em contração, a Social-Democracia parece ter perdido sua bússola. Houve uma época, nos primeiros anos da II Internacional, em que ela orientou sua ação para a superação do capitalismo. Empenhou-se depois por reformas parciais, consideradas passos gradativos em direção ao socialismo.

Finalmente, no pós-guerra, contentou-se com o bem-estar social e o pleno emprego dentro dos marcos do capitalismo. Agora, que ela passa a admitir, onde quer que esteja governando, uma diminuição do bem-estar e desiste do pleno emprego, em que tipo de movimento se transformará?

Em nenhum de seus 26 Encontros até hoje realizados foi encontrada resposta a essa pergunta. E o 27º, realizado em São Paulo, transformado em um oba-oba, parece que também não responderá a essa indagação.
Além do mais, o capitalismo mais vigoroso dos EUA e Japão, onde freqüentemente o crescimento é mais rápido, é também, face à globalização da economia, uma fonte de pressão para a redução dos custos dos modelos sociais. A necessidade de competir transforma-se na obrigação de podar e se ajustar e, nessa lógica, é a Social-Democracia que se converte em uma anomalia, uma herança de um passado insustentável.

O culto ao talento empresarial, à centralidade da empresa e ao dinamismo que proporciona lucros crescentes, desloca cada vez mais o antigo vocabulário da redistribuição, justiça e equidade social.

Um cenário como esse implica, simplesmente, a perda do papel peculiar dos partidos social-democratas e os transforma em uma força francamente comprometida com o capitalismo sem os antigos adereços sociais. Esses partidos abandonaram a idéia de "socialismo", mas fazem questão de manter a noção de "esquerda", embora alguns de seus dirigentes já tenham afirmado que nunca foram de esquerda. 

Todavia, um adeus à essência da Social-Democracia não significará, necessariamente, o desaparecimento dessa expressão, utilizada por partidos dos mais diversos tipos, quase sempre sem qualquer vinculação com o ideário político imaginado por Marx no século XIX, pois ela sempre renderá alguns dividendos no sofisticado mercado político atual, embora nada mais seja do que um rótulo alegórico.

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