quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

América Latina e populismo (RC)


“O capitalismo na América Latina ainda é, na melhor das hipóteses, uma luta.” (Alan Greenspan)
O título desse artigo é o mesmo usado por Alan Greenspan em um capítulo de seu livro de memórias, A Era da Turbulência. O ex-presidente do Federal Reserve faz uma análise bastante acurada dos males que assolam a região. Diante da pergunta sobre a causa das crises econômicas freqüentes nas décadas de 1970, 1980 e 1990, Greenspan resume numa resposta simples, afirmando que, “com muito poucas exceções, a América Latina não conseguiu desarmar-se do populismo econômico que, em sentido figurado, desarmou todo um continente em sua competição com o resto do mundo”. Em outras palavras, o capitalismo de livre mercado jamais deu o ar de sua graça por aqui, obstruído pelo eterno populismo.
O século XX não foi bom para a região. Greenspan lembra, com base nas análises do historiador econômico Angus Maddison, que a Argentina começou o século com um PIB per capita real maior que o da Alemanha e equivalente a quase três quartos do americano. No fim do século, o PIB per capita argentino tinha declinado para metade ou menos do da Alemanha e dos Estados Unidos. Como conclui Greenspan, “apenas a África e a Europa Oriental apresentaram desempenho pior”. A América Latina parece estar competindo para ver qual continente fica mais miserável.
Greenspan explica o que entende por populismo: “Sob o populismo econômico, o governo cede às demandas do povo, sem levar muito em conta os direitos individuais ou as realidades econômicas sobre como aumentar ou mesmo apenas sustentar as riquezas do país”. Em outras palavras, “ignoram-se as conseqüências econômicas adversas das políticas públicas, por deliberação ou sem intenção”. Diante de uma série ininterrupta de fracassos, a busca por bodes expiatórios é constante. Os Estados Unidos são o alvo preferido. “Erroneamente”, lamenta Greenspan, “ainda hoje os Estados Unidos são vistos como a principal causa da miséria econômica ao sul de suas fronteiras”. Os povos latinos agem como devedores irresponsáveis, que vivem gastando mais do que ganham, e depois ficam culpando os bancos por sua situação calamitosa. O sucesso dos mais responsáveis e trabalhadores incomoda, e passa a ser acusado pela própria miséria, com a ajuda de uma visão marxista de que o ganho de um deve ser exploração do outro.
Esse populismo é “atitude muito pouco racional”. Para Greenspan, é “mais um grito de dor”. Ele explica: “Os líderes populistas fazem promessas irresistíveis para eliminar ou atenuar situações percebidas como injustas. As panacéias mais comuns são a redistribuição de terras e o indiciamento de uma elite corrupta que, alegadamente, rouba dos pobres; os líderes prometem terra, habitação e comida para todos”. O termo ‘justiça’ é usado de forma abusiva, geralmente na acepção redistributiva, ao lado do termo ‘social’, na maioria das vezes indo contra o conceito objetivo de justiça. Esse populismo é o oposto de liberalismo: “Em todas as suas formas, evidentemente, o populismo econômico se opõe ao capitalismo de livre mercado”. O duro é aturar a esquerda populista insistir que a culpa dos nossos males está justamente no “neoliberalismo”, inexistente na região.
Reverter o quadro não é uma tarefa trivial. O populismo resiste mesmo diante dos mais contundentes fracassos. Greenspan diz: “A melhor evidência de que o populismo é basicamente uma reação emocional, em vez de algo baseado em idéias, é o próprio fato de não recuar, mesmo em face de reiterados fracassos”. O povo latino-americano costuma colocar mesmo as emoções à frente da razão. O populismo é o resultado disso. Greenspan elabora sobre os motivos desse apelo emocional: “O populismo econômico imagina um mundo mais simples e direto, no qual as estruturas teóricas não passam de dispersões em relação às necessidades evidentes e prementes. Seus princípios são simples. Se há desemprego, o governo deve contratar os desempregados. Se o dinheiro está escasso e as taxas de juros, em conseqüência, estão altas, o governo deve impor limites artificiais ou, então, imprimir mais dinheiro. Se as importações estão ameaçando empregos, proíba as importações”. Gustave Le Bon fez um ótimo estudo sobre a psicologia das massas, e uma das características mais básicas é justamente a simplicidade dos conceitos, para poder conquistar pelas emoções os seres mais simples do grupo. Um povo miserável e ignorante é um prato cheio para promessas populistas. O Fórum Social Mundial é a grande prova disso.
Os populistas ignoram as calculadoras: “A visão populista equivale à contabilidade por partidas simples. Registra apenas os créditos, como os benefícios imediatos da redução dos preços da gasolina. Acredito que os economistas devem praticar a contabilidade por partidas dobradas”. O que Greenspan quer dizer é que os populistas desconhecem conceitos como “custo de oportunidade”, e nunca levam em conta “aquilo que não se vê”, como alertava Bastiat. A visão é totalmente míope, e vale apenas o que os olhos enxergam no curtíssimo prazo, sem nenhuma capacidade de compreensão dos nexos causais ao longo do tempo. Medidas populistas hoje acarretam estragos profundos no longo prazo, mas poucos entendem a ligação entre causa e efeito. Além disso, “no longo prazo todos estaremos mortos”, pode alegar um “desenvolvimentista”, ou seja, um populista típico.
Para atrair as massas, o populismo precisa recorrer a uma justificativa moral. Assim, afirma Greenspan, “os líderes populistas devem ser carismáticos e exibir uma aura de tocador de obras e até de competência autoritária”. A lista de líderes compatíveis com essa definição é enorme, com diferentes graus de autoritarismo. Podemos pensar em Hitler, Mussolini, Getúlio Vargas, Stalin, Fidel Castro, Peron, Chávez, Mao, enfim, inúmeras figuras pitorescas, que hipnotizavam as massas com promessas fantásticas enquanto entregavam o caos como resultado. O comum entre esses líderes é aquilo que Greenspan comenta: “A mensagem econômica deles é simples retórica, salpicada de termos e expressões como ‘exploração’, ‘justiça’ e ‘reforma agrária’, sem qualquer menção a ‘PIB’ ou a ‘produtividade’”.
Um exemplo recente está em Robert Mugabe, no Zimbábue, que adotou várias medidas populistas e destroçou de vez a nação, que sobrevive atualmente com desemprego enorme e hiperinflação galopante. Chega a ser irônico constatar isso tudo e lembrar da entrevista de Heloísa Helena, então candidata à presidência e ícone do populismo nacional, para Miriam Leitão, onde ela afirmara que inflação não é um fenômeno isolado, e não ocorria num país apenas. A Venezuela, outro palco de intenso populismo do caudilho Chávez, acaba de divulgar o número oficial de inflação de 2007, de 22,5%. Com certeza o número real deve ser ainda maior, já que transparência não é o forte de regimes populistas.
Sobre o presidente Lula, eis o que Greenspan tem a dizer: “Luiz Inácio Lula da Silva, populista brasileiro com grande séquito, foi eleito presidente em 2002. Antecipando-se à sua vitória, o mercado de ações brasileiro caiu, as expectativas de inflação subiram e os tão ambicionados investimentos estrangeiros recuaram. Mas, para surpresa da maioria, inclusive minha, ele manteve em boa parte as políticas sensatas do Plano Real, que Cardoso, seu antecessor, adotara para combater a hiperinflação brasileira de princípios da década de 1990”. Em outras palavras, o grande mérito de Lula foi não ter mexido nas reformas macroeconômicas de FHC. O resto é sorte por ter pego um cenário internacional extremamente benéfico.
Por fim, Greenspan faz um importante alerta sobre os riscos da democracia. Em primeiro lugar, ele lembra que “os verdadeiros democratas apóiam uma forma de governo em que a maioria predomina em todas as questões públicas, mas nunca transgredindo os direitos básicos dos indivíduos”. Nessas sociedades, ele diz, “os direitos das minorias são protegidos contra as maiorias”. Os próprios “pais fundadores” dos Estados Unidos temiam os excessos da democracia, e para isso criaram o “Bill of Rights”, limitando o poder do governo. Greesnpan continua: “A democracia é um processo tortuoso e, decerto, nem sempre é a forma de governo mais eficiente”. No entanto, ele concorda com a tirada espirituosa de Winston Churchill: “A democracia é a pior forma de governo, exceto todas as demais que já foram experimentadas de tempos em tempos”.
O governo autoritário “não oferece as necessárias válvulas de segurança que, nas sociedades capitalistas, possibilitam a solução de conflitos de maneira pacífica”. Esse motivo que faz Greenspan optar pela democracia nos remete ao mesmo comentário de Karl Popper, que escolhe a democracia não pela sua suposta superioridade nas decisões, mas pela capacidade de resolver problemas sem derramamento de sangue. No entanto, é crucial lembrar que a democracia é ummeio, não um fim, que seria a preservação das liberdades individuais. E o populismo ignora justamente isso, pregando uma democracia fajuta que não leva em conta os direitos individuais, degenerando em tirania, como vemos na Venezuela dos “plebiscitos”.
É uma pena que Greenspan, de longe, consiga fazer um diagnóstico tão acertado dos problemas da América Latina, enquanto tantos economistas próximos insistem nas “soluções milagrosas” do populismo

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