terça-feira, 21 de outubro de 2014

A bolha imobiliária brasileira – Um argumento moral – EPL Minas

Em meados da década de 80, o sociólogo francês Guy Sorman rodou o mundo conversando com intelectuais de variadas nacionalidades sobre os paradigmas do pensamento liberal para o fim do século XX. Essa série de diálogos deu base para diversos ensaios que compõem seu livro A Solução Liberal.
Foi em um Pub em Warehan, pequena cidade da Inglaterra, que Sorman encontrou com Michael Oakshott, importante filósofo do movimento conservador britânico no século XX e pouco conhecido fora de seu país. Travaram um interessante debate sobre a postura conservadora moderna, os rumos da economia da Europa e a evolução das idéias intervencionistas no mundo. Oakshott fez uma reflexão sobre a influência da inflação na sociedade que marcou Sorman. Nas palavras do próprio:
“Aos olhos de Oakshott, foi a inflação que, arruinando os poupadores, conduziu o Estado a substituir os indivíduos. Sem inflação, cada um poderia capitalizar a própria aposentadoria e os próprios seguros sociais. Com a inflação, a garantia do Estado se torna indispensável. Para Oakshott, a inflação é, portanto, o fundamento do Estado-providência, do social-estatismo” [1]
O trunfo de Michael Oakshott foi conseguir enxergar o problema da inflação além do tecnicismo econômico e vislumbrar os desacertos sociais que uma política monetária irresponsável pode causar. Foi trazer um argumento moral, além das análises de externalidades negativas e da visão racionalista que cega alguns liberais e notar como a intervenção estatal pode mudar as atitudes, os valores e a cultura das pessoas.
É nesse ponto em que o liberalismo remonta as idéias que o forjaram e evoca a importância da prudência, da ação histórica, da tradição, da confiança no indivíduo, de elementos que formam um solo fértil onde o capitalismo laisse-faire floresce[2].
Exemplos de como uma medida de governo podem influenciar a mentalidade de uma nação não faltam no Brasil. A imponente força tributária e regulatória, que empurra empreendedores para a ilegalidade, é um exemplo marcante. Os empresários, e a sociedade no geral, passam a entender que a única forma de gerar e acumular riqueza é através do rompimento de normas, leis e contratos.
No entanto, pretendo analisar outro fenômeno: A suposta bolha imobiliária brasileira.
A população brasileira assistiu nos últimos anos um aumento expressivo no preço dos imóveis residenciais e comerciais. A evolução de preços foi bastante superior ao aumento de renda da população. É consenso entre os economistas sérios que o motivo principal da elevação insustentável dos preços dos imóveis foi o franco aumento do crédito de bancos públicos e privados, via expansão monetária e queda de juros na base da canetada, que se iniciou em 2003 e se intensificou em idos de 2006. Os gráficos abaixo ilustram o cenário:
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Fonte: Núcleo de Real Estate da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP)
É fácil notar a influência da expansão de crédito na evolução dos preços dos imóveis. Isso aconteceu pois o dinheiro ficou barato. Bastou unir consumidores e empresas fartas de crédito com a vontade natural de aferir lucros exorbitantes em épocas de bonança, para que os preços fossem se elevando de acordo com a quantidade de dinheiro na mão dos clientes ávidos em adquirir imóveis para morar ou investir. Simples lei de oferta e demanda: muitas pessoas querendo comprar, imóveis em quantidade limitadas, preço aumentando progressivamente buscando um equilíbrio que nunca chegava, já que a máquina de imprimir dinheiro não cessava e os bancos relaxavam o controle dos financiamentos.
Para mais detalhes recomendo esse artigo de Leandro Roque para o Instituto Mises, que disseca com precisão o início da bolha imobiliária no Brasil.
O fato está dado: Os preços dos imóveis estão altos. Agora os economistas, especialistas no setor e palpiteiros estão divididos em dois times: os que acreditam que essa bolha estoura de forma rápida nos próximos anos; e os que crêem que a queda de preços vem de forma lenta e gradual, com o valor dos imóveis sendo corroídos pela inflação ao decorrer dos anos.
Usando da visão de Oakshott, mas sem sua elegância britânica, provoco: as formas com que os preços dos imóveis vão voltar para patamares civilizados são o que menos importa. Todas vão influenciar severamente na sociedade brasileira.
Analisemos cada caso:

Se a bolha estourar rapidamente:

Se o preço dos imóveis cair de forma abrupta, como na bolha imobiliária espanhola, diversos empreendimentos serão liquidados e/ou fechados, os bancos serão profundamente afetados, quem comprou imóveis nos últimos anos vai ver seu patrimônio derretendo e uma dívida grande para ainda ser paga num longo prazo. Rompimentos de contratos por todos os lados e fila de desemprego aumentando. Em outras palavras: Riqueza e poupança sendo destruídas, mais descrença sobre o funcionamento do capitalismo, mais cidadãos vulneráveis e pobres, famílias desestruturadas, empresas influentes sendo resgatadas com recursos públicos. O remédio: mais intervenções, mais Estado, menos liberdade.

Se a bolha estourar lentamente:

Se o preço dos imóveis caírem de forma lenta pela influência da inflação (ou pior, se o volume crédito for o suficiente pra aumentar o preço de forma que ele acompanhe a inflação) as famílias vão ter cada vez mais dificuldades de comprar seus imóveis. Vão se endividar por longos prazos para adquirir imóveis de baixa qualidade, comprometendo suas rendas e impossibilitando a formação de poupanças. Se assim ocorrer, o elevado preço dos imóveis vai condenar uma geração de jovens a morar com seus pais até alta idade, quando conseguirão sair de casa e formarem suas famílias, que também poderão morar em cubículos de baixa qualidade, se tiverem sorte. Em termos gerais: cidadãos vulneráveis e pobres, com famílias pouco numerosas e frágeis, endividadas e com pouca poupança, sem capacidade de financiar investimentos que possam garantir uma saudável aposentadoria. Indivíduos completamente dependentes de um Estado-babá para viver. A solução para resolver tais problemas, na ótica dos governantes, só pode ser mais intervenções, mais Estado, menos liberdade.
Ainda assim, vale lembrar que as crises financeiras depois do século XIX foram marcadas por um nefasto roteiro: A crise acontece e começa com uma severa atuação do Estado na possível correção dos erros do livre mercado, que gera em novas distorções na economia, que gera a próxima crise e assim se dá a economia moderna [3].
Nessas circunstâncias, como não lembrar do sábio Gyula Krúdy, escritor húngaro:
“A gente só precisa dar o primeiro passo no caminho da decadência, o segundo parece natural”.
O Estado, sempre bem intencionado ao fomentar o crescimento e a distribuição de renda, cria um ambiente que desestimula a prudência nos investimentos e a acumulação de riqueza e ainda sim deturpa a noção de responsabilidade individual. Interferindo na dinâmica social compromete o bem-estar e a autonomia das famílias (vale lembrar da recente proibição de comerciais para o público infantil e a polêmica lei da palmada), gera desigualdade ao alocar recursos de forma equivocada e condena gerações futuras a pagar pelos erros de gerações anteriores. Suas ações criam como efeito uma atmosfera que impede a saudável continuidade cultural, a formação de uma tradição sólida através da escolha livre de indivíduos e pavimenta o caminho da servidão.

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