sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Divirta-se com moderação (MATEUS COLOMBO MENDE)



No Facebook, meu amigo Bruno Dornelles​ chama atenção para o absurdo de que há apenas mil confirmados na página do protesto anti-PT do dia 15/11/15, enquanto mais de 15 mil pessoas em menos de uma semana já registraram sua disposição para brincar num toboágua gigante que será instalado numa das principais avenidas de Porto Alegre. É patético, de fato. Mas não imaginemos que recorremos mais ao brinquedo do que ao protesto porque estamos fartos da situação do país. Pelo contrário! A situação é terrível porque nos recusamos, há décadas, a sair do parquinho. Não confundamos causa e efeito.

*** 
Você sabe que é fascismo? Em linhas gerais, é a ocorrência combinada de:
(I) concentração do poder político nas mãos de um partido, uma aliança ou arranjo político;
(II) concentração do poder econômico nas mãos de um círculo diminuto de agentes econômicos influentes, em conluio com o poder político;
(III) uniformização ideológica da sociedade, sobretudo a partir da centralização das diretrizes educacionais;
(IV) controle estatal da vida privada.

Pois, não é essa exatamente a situação do Brasil (para dar alguns poucos exemplos) (I) do Mensalão e dos acordões (Renan Calheiros, Eduardo Cunha etc.),
(II) da Odebrecht, da Engevix, da OAS et caterva, (III) do MEC, do Enem, da padronização medíocre da grande mídia e (IV) da Lei das Palmadas (que controla como educamos), do Humaniza Redes (que controla o que dizemos) e do Marco Civil da Internet (que controla como nos manifestamos)?

Que faremos quanto a isso? Em Porto Alegre, escorregaremos no toboágua.

No evento criado no Facebook para chamar a mais uma manifestação contra o PT e seus asseclas, há pouco mais de mil pessoas inscritas; já na página do toboágua gigante que será instalado em uma avenida de Porto Alegre duas semanas depois já há mais de 15 mil interessados. É, pois, esse espírito permanentemente imaturo, leviano, que se recusa a situar-se na realidade que nos está levando para o fundo do poço. Sobre isso, um amigo me disse:

“Quero ver como essa geração mimada com pet shop, sushi e Punta Cana vai sobreviver daqui a 10 anos. Metade do Brasil vai se matar.”

De fato, nossa geração, que troca o estímulo da cafeína pelo estupidificação da maconha, tem-se esforçado em amolecer as nádegas e fortalecer a tibieza. Não sabemos lidar com reveses mínimos, fugimos dos problemas reais e refugiamo-nos em frivolidades. As principais atividades do jovem-adulto contemporâneo não são más per se; o problema é não fazer nada além disso. O problema é justamente transformar essas boas atividades em atividades principais, despendendo todo tempo e dinheiro tão-somente em, por exemplo, cuidar de animazinhos, divertir-se com as badalações do momento e fazer turismo.

Quase toda a gente se tem ocupado em ser desocupada. E a desocupação aqui é intelectual, moral e de atitude. Digo isso porque o alerta vale não apenas para as diversões, mas para as obrigações também – o trabalho, por exemplo. Em geral, o trabalho é visto como um sacrifício quase sem sentido, quase insuportável, cujo único sentido (e só por isso se o suporta) é financiar divertimentos. Nesse entrementes, enquanto nos estupidificamos, uma minoria cada vez mais hegemônica política e culturalmente subverte as bases do direito de propriedade, da liberdade individual e do Estado Democrático de Direito, sobre as quais nossa civilização se firmou.

Não, "brincar e ser feliz", "permitir-se", nada disso é mau em si. O problema é quando nos limitamos a isso. O escritor inglês GK Chesterton, lá no início do século XX, como que olhando para o Brasil de hoje, disse que "A nação que não tem nada além de seus divertimentos não se divertirá por muito tempo". Pois, notaram que nós, brasileiros, somente nos divertimos? E que a diversão está acabando?

Enquanto considerável parcela de nossa geração torra sua vida em fugas, uma porção mínima, porém articulada e ativa, aproveita-se para conduzir as grandes decisões conforme suas ânsias, seus ressentimentos e suas estupidezes. O Mensalão e o Petrolão nossos de cada dia são engendrados enquanto escorregamos no toboágua.

É bem verdade que em 2015 houve um despertar, que as pessoas, em geral, estão mais atentas aos desmandos governamentais. Contudo, esse despertar está atrasado em pelo menos dez anos. O Mensalão deveria ter causado manifestações tão ou mais grandiosas do que as deste ano. Não há diferença substancial entre o Mensalão e o Petrolão – são, ambos, arranjos político-econômicos em favor de um projeto de poder. Acontece que o Brasil da época em que o Governo Federal do “partido da ética” começou a comprar de congressistas ia economicamente bem, graças à manutenção das políticas econômicas do governo anterior e, sobretudo, em função de um contexto econômico mundial favorável às commoditiesbrasileiras. Pois, esse ambiente de relativo bem-estar econômico e social (além de permitir ao governo abrir as torneiras das políticas populistas, pelo que pagamos hoje) fez com que a população não desse a real importância ao maior escândalo político deste país. 
Atualmente, porque sofremos com cada vez mais intensidade as conseqüências dos anos de populismo petista, acabamos por perceber que a diversão está chegando ao fim. É o mal que vem para o bem. Que essa percepção não se apague e, mais do que isso, leve-nos a moderar lazer e dever, fazendo-nos perceber, por fim, que não há maior divertimento do que atender aos deveres, do que cuidar daquilo que nos diz respeito, do que descer da roda-gigante e colocar os pés na realidade.

PS: há quem prefira o divertimento ao dever porque confia em quem detém o poder e acredita que vai tudo muito bem. A despeito do desserviço, estes nos fazem o favor de ilustrar o que Aristóteles quis dizer quando afirmou que há gente que nasceu para ser escrava (de senhores, de hábitos e até mesmo de pensamentos, idéias e ideologias).

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