segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Escola Austríaca, a origem:São Tomás é a origem de tudo e o mundo latino e católico não tem por que padecer de qualquer complexo de inferioridade quando se trata de Teoria Econômica.

Para compreendermos mais precisamente o ethos dos pós-escolásticos, é conveniente visualizarmos, na tabela seguinte, como evoluiu o pensamento econômico desde os escolásticos medievais até os nossos dias.
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O nominalismo, derivado da Escolástica Medieval, consistia em uma abordagem reducionista de problemas sobre a existência e natureza de entidades abstratas e opunha-se ao platonismo e ao realismo. Enquanto o platônico defende um enquadramento ontológico em que coisas como propriedades, gêneros, relações, proposições, conjuntos e estados de coisas são assumidos como primitivos e irredutíveis, o nominalista, por definição e maneira de enxergar o mundo, nega a existência de entidades abstratas e procura mostrar que o discurso sobre essas entidades é analisável em termos do discurso sobre concretos particulares da experiência comum. Seus autores mais expressivos foram Guilherme de Ockam (1290-1350), Jean Buridan de Bethune (1300-1358), Nicole Oresme (1325-1382) e Heinrich von Langenstein (1325-1397).
Apesar de influenciarem também o positivismo e François Quesnay (o fundador do fisiocratismo) e de se oporem ao tomismo, os nominalistas contribuíram para o desenvolvimento da Escolástica Tardia ao abordarem, principalmente, três temas: a teoria do valor (dando a ela enfoque subjetivista); a defesa do livre comércio e a defesa da propriedade privada (a defesa franciscana de que se deve abrir mão das riquezas exige que se possuam essas riquezas, o que conduz à defesa do direito de propriedade). Oresme defendeu também a conhecida "Lei de Gresham", segundo a qual "a moeda má expulsa a moeda boa", bem como o padrão-metálico.
Vejamos agora o quadro sinóptico que mostra as origens a as influências dos escolásticos tardios, com alguns aspectos das ideias defendidas por seus principais nomes. Trata-se de um quadro semelhante ao elaborado por Alejandro Chafuen, em seu celebrado livro Economia y Etica: Raices Cristianas de La Economia de Libre Mercado, de 1991.
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Escolástica Tardia na Itália
São Bernardino de Siena (1380-1444), franciscano, sistematizou, na Toscana, a herança intelectual econômica de São Tomás, sendo o primeiro teólogo, depois de Olivi, a escrever um livro inteiro dedicado à teoria econômica escolástica. Os pontos principais de sua doutrina foram a defesa da propriedade privada (embora a considerasse artificial e não natural), a defesa do empreendedorismo, a defesa do livre comércio, a legitimação dos lucros, a  teoria do valor, em que  o "preço justo" é definido como sendo o preço de mercado e os perigos da tributação excessiva.
Santo Antonino de Florença (1389-1459), um discípulo de S. Bernardino, seguiu a mesma análise de seu preceptor, mas enfatizou um ponto crucial da filosofia do Aquinate, o de que qualquer transação no mercado traz benefícios mútuos para ambas as partes, pois estas resultam melhores do que antes, em termos de ficarem mais satisfeitas.
Ambos foram contra a usura, contudo, o que contribuiu para manter esse aspecto da teoria econômica obscuro, cercado de mistérios e quase que proibido.
Escolástica Tardia na Espanha
Especialmente em Salamanca, a partir dos sécs. XV e XVI, diversos autores, inicialmente dominicanos e mais tarde jesuítas, abordaram temas ligados à teoria monetária, propriedade privada, juros, inflação e tributação. Vejamos sucintamente (já que nosso personagem principal neste artigo é Juan de Mariana) como avançaram.
Surge a Escolástica Tardia em Espanha com Francisco de Vitoria (1495-1560), em Salamanca, com seus escritos sobre Direito Internacional e suas explicações morais e econômicas da Summa. Os principais pontos de Vitoria são:o "preço justo" é o preço de mercado e a propriedade privada, a justiça e a paz resultam de trocas voluntárias realizadas entre os agentes.
Martin de Azpilcueta, o "Doutor Navarro" (1493-1586), também dominicano, professor em Salamanca e Coimbra, desenvolveu as bases do conceito de "preferência intertemporal" e da "Teoria Quantitativa da Moeda", defendeu preços livres da interferência dos governos, alertou que emissões de moeda sem lastro provocam distorções na economia e na sociedade e criticou o sistema de reservas fracionárias dos bancos.
Diego de Covarrubias y Leiva (1512-1577), Bispo de Segóvia, alertou para os efeitos nocivos de diminuições no teor metálico das moedas, criticou o sistema de reservas fracionárias dos bancos e chegou a esboçar uma teoria subjetiva do valor.
Luís Saravia de la Calle (século XVI) defendeu, em seu Instrucción de Mercaderes, publicado em 1544, as ações dos comerciantes como legítimas e antecipou o que Menger escreveu em 1871, que não são os custos que determinam os preços, mas os preços que determinam os custos:
Los que miden el justo precio de la cosa según el trabajo, costas y peligros del que trata o hace la mercadería yerran mucho; porque el justo precio nace de la abundancia o falta de mercaderías, de mercaderes y dineros, y no de las costas, trabajos y peligros.
Francisco de García, em Tratado Utilíssimo de Todos los Contractos, Quantos en los Negocios Humanos se Pueden Ofrecer, publicado em Valência em 1583, sustentou que a utilidade marginal dos bens, inclusive a da moeda, é decrescente.
Luís de Molina (1531-1601) advogou a liberdade de preços, criticou as regulações excessivas e as distorções provocadas pelas políticas de preços máximos e mínimos, desenvolveu o conceito de lucros cessantes (lucros perdidos de investimentos) e foi o primeiro a perceber, em 1597, que os depósitos bancários fazem parte da oferta monetária.
Genónimo Castillo de Bobadilla, em Politica para Corregidores y Señores de Vassallos (Madri, 1597), defendeu a competição dinâmica como um processo e não como o estudo de casos de equilíbrio, antecipando Menger, Mises, Lachmann e Kirzner em 400/500 anos!
Juan de Mariana (1535-1624), sobre o qual vamos escrever pormenorizadamente no próximo artigo, jesuíta, "politicamente incorreto" e considerado por alguns estudiosos como o mais importante dos escolásticos tardios, destacou que: a propriedade privada é muito importante para o desenvolvimento econômico e social; monopólios são como que impostos cobrados sem autorização, pois distorcem os preços e empobrecem o povo; o orçamento público deve ser equilibrado, já que os déficits orçamentários resultam em mais impostos ou em emissão de moeda, com a consequente inflação; escreveu um tratado sobre a inflação (atualíssimo), mostrando o que é, sua causa e suas consequências; criticou o poder monopolístico de emitir moeda detido pelos governos; criticou também as regulamentações de preços; argumentou que o intervencionismo viola a lei natural e prejudica a coordenação do corpo social; antecipou Hayek em 400 anos, ao sustentar que a informação é dispersa e subjetiva e que não se deve centralizá-la, sob pena de perda da solidez da ordem social; e  mostrou que o valor da moeda depende de sua quantidade e de sua qualidade
Francisco Suarez (1548-1617) e Juan de Salas (1553-1612) argumentaram sobre a impossibilidade de modelos de equilíbrio: "el precio que habrá mañana nel mercado solo Dios lo conosce".
E Juan de Lugo (1583-1660) defendeu a natureza dinâmica dos mercados como processos, criticando a visão teórica que os enxergava como algo estático e em equilíbrio.
As ideias desses e de outros autores espalharam-se pela Europa, especialmente, no início, na Itália e em Portugal. Leonardo Léssio (1554-1623) recompilou os escritos econômicos de Salamanca e os difundiu nos Países Baixos e Antonio de Escobar y Mendoza (1589-1669) os difundiu em França.
A Escolástica Tardia gerou dois ramos:
1. Ramo Norte (anglo-saxão)
2. Ramo Continental (menos conhecido)
Leonardo Léssio (na Bélgica), Grocio e Pufendorf influenciaram John Locke, bem como Hutchinson e, portanto, Adam Smith (este, com uma mescla de subjetivismo e objetivismo) e, daí, a "mainstream economics".
Posteriormente, a partir do século XVIII, foram publicados trabalhos muito importantes para a genealogia da Escola Austríaca, dos quais podemos destacar os de:
Jacques Turgot (1727-1781), teólogo, político e ministro, um subjetivista que defendeu o livre comércio e mostrou que o papel do estado não deve ser o de controlar as atividades econômicas; debuxou o princípio da utilidade marginal decrescente; elaborou uma crítica aos modelos de equilíbrio e formulou uma Teoria do Capital que antecipou o austríaco Eugene von Böhm-Bawerk em quase 200 anos.
Ferdinando Galiani (1728-1787), que escreveu, aos 22 anos, o tratado Della Moneta e resolveu o famoso "paradoxo da água e dos diamantes", explicando-o com o conceito de escassez relativa.
Etienne Bonnot, o Abade de Condillac (1714-1780), publicou La Commerce et le Gouvernment - Considerés relativement l´Un à l´Autre, em 1776 (mesmo ano de publicação de A Riqueza das Nações, de Adam Smith), sob os auspícios de Turgot, que era então ministro. Condillac antecedeu o que Bastiat escreveu na primeira metade do século seguinte, ao analisar as diferenças entre os efeitos "que se veem" e os efeitos "que se devem prever"
Esses três autores possuem diversos pontos comuns: o indivíduo como eixo central; o subjetivismo metodológico; o estudo da Teologia; a defesa do livre comércio e a crítica aos "agregados econômicos" (que dois séculos depois ficariam conhecidos como Macroeconomia).
Por sua vez, Turgot, Galiani e Condillac influenciaram Jean Baptiste Say, Bastiat e Molinari em França, bem como os autores alemães da Escola de Valor de Uso, como Wilhelm Roscher, da Universidade de Leipzig, mestre de Carl Menger (que dedicou o seu  Princípios de Economia Política a ele e o cita 17 vezes elogiosamente ao  longo da obra, que sustentava que os preços é que determinavam os custos  (e não o oposto)
Parece interessante, à guisa de parêntesis, observarmos as citações sobre diversos autores de Menger, o fundador da Escola Austríaca de Economia: Hermann (outro pensador alemão, 12  vezes, todas elogiosamente); Adam Smith (12 vezes, 11 para criticá-lo); Say (11 vezes, 10 para criticá-lo), bem como, sempre elogiando, Condillac, Galeani e Covarrubia que, como vimos, eram escolásticos tardios.
Observando como evoluiu o pensamento econômico desde São Tomás e principalmente com os escolásticos tardios, vemos claramente praticamente todas as características da Escola Austríaca de Economia:
- subjetivismo
- individualismo
- inflação e dos ciclos econômicos como fenômenos causados por distúrbios monetários
- propriedade privada
- mercados como processos
- princípio da ação humana
- interdisciplinaridade
- preferências intertemporais
- união entre Ética, Política e Economia (interdisciplinaridade)
- ordens espontâneas
- liberdade de preços
- livre comércio
- informações insuficientes, dispersas e interpretadas subjetivamente
- tempo real (não newtoniano)
Como vemos, São Tomás é a origem de tudo e o mundo latino e católico não tem por que padecer de qualquer complexo de inferioridade quando se trata de Teoria Econômica.


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