terça-feira, 29 de março de 2016

Assim termina o populismo ( Iván Carrino)

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O periódico argentino El Cronista divulgou uma pesquisa segundo a qual "7 de cada 10 argentinos responsabilizam o governo anterior pelos problemas atuais" vivenciados pelo país.
Segundo a pesquisa, 70% dos entrevistados atribuíram ao governo de Cristina Kirchner os suplícios econômicos atuais, ao passo que 20% atribuíram responsabilidade ao governo de Mauricio Macri, e os outros 10% consideraram que a responsabilidade é de ambos.
Entre os problemas atuais mais prementes vivenciados pelos argentinos, os principais são: aceleração da inflação de preços, aumento da cotação do dólar após a liberação do câmbio [a Argentina possuía duas taxas de câmbio, uma oficial e uma paralela; leia tudo a respeito aqui], queda dos salários reais e uma possível recessão no primeiro semestre, com um aumento no nível da pobreza.
Quanto a isso, alguns comentários são importantes.
O mesmo periódico El Cronista deu destaque a um estudo da CIFRA [uma espécie de DIEESE argentino] que dizia o seguinte:
... a economia transita em meio a um processo inflacionário que ainda não acabou, e não apenas porque os efeitos da desvalorização cambial ainda não foram completamente transmitidos aos preços do bens, como também porque o governo aboliu os subsídios e aumentou fortemente as tarifas dos serviços públicos.
[...] o estudo da Cifra advertiu sobre "um significativo aumento da pobreza" que, ressaltou, "afetava 19,7% da população no segundo trimestre de 2015 e passou a afetar de 22,1 a 23,3% da população em janeiro de 2016" [...] Isso equivale a entre 1,1 a 1,8 milhão de pessoas que entrarem em situação de pobreza em decorrência do aumento dos preços dos produtos da cesta básica.
O problema é que o informe em questão se equivoca quanto à sequência dos fatos e, com isso, chega a conclusões errôneas.
A verdade é que não foi a desvalorização cambial e o aumento das tarifas dos serviços públicos o que fizeram aumentar a inflação de preços, mas sim exatamente o contrário: foi a inflação — ou seja, o aumento de preços gerado pelo aumento excessivo da oferta monetária, que triplicou em pouco mais de 3 anos (aumento esse feito pelo governo Kirchner para cobrir os déficits orçamentários do governo) — que desarranjou toda a economia, levando à necessidade de um realinhamento do câmbio e das tarifas dos serviços públicos.
Por algum tempo, o governo pode recorrer a medidas populistas e evitar que esse efeito chegue a todas as áreas da economia impondo controles ad hoc.  E foi isso o que o governo Kirchner fez ao criar uma taxa oficial e artificial para o câmbio (o "cepo" cambial), ao congelar as tarifas dos serviços públicos, e ao determinar — por meio do programa Precios Cuidados — que os supermercados não aumentassem os preços.
No entanto, o que tais programas intervencionistas realmente conseguem lograr é reduzir drasticamente as exportações, desestimular investimentos e acabar com os incentivos para que as empresas produzam cada vez mais e melhores bens e serviços.
Consequentemente, chega-se a uma situação em que a inflação de preços não baixa e a economia não cresce: uma estagflação.
O governo Marci poderia ter optado por deixar tudo como estava, mas isso significaria apenas aprofundar ainda mais tanto a inflação futura quanto a estagnação econômica.  Acima de tudo, o prolongamento de tais intervenções teria gerado ainda mais pobreza — pobreza essa que, aliás, uma pesquisa da Universidad Católica Argentina afirmou ser de elevados 28,7% da população ainda em 2014.
Para evitar esse cenário, optou-se por fazer algo, e o que tinha de ser feito era desmantelar os controles e regulações que estavam freando a capacidade produtiva do país.
Agora, é importante ressaltar que é inevitável que tal decisão gere um efeito negativo imediato sobre a capacidade de compra de todos os argentinos; no entanto, é um ato de honestidade intelectual reconhecer que esse efeito não é consequência das novas medidas, mas sim o resultado inevitável de tudo aquilo que vinha sendo feito pelo governo até então. 
De concreto, a ideia de que eliminar controles e reconhecer o valor real das coisas — como do dólar, da energia e de alguns produtos no supermercado — são medidas que fazem com que a pobreza aumente, então, por uma questão de lógica, a pobreza já estava elevada, mas se mantinha ocultada por estes controles.
O fato é que as péssimas políticas econômicas adotadas pelo kirchnerismo aumentaram o número de pobres em 5 milhões em 6 anos.  Frente a este panorama desastroso, era imperativo mudar de rumo.
As etapas do populismo
É evidente, no entanto, que a atual situação não é nada confortável.  Mas é sim motivo de comemoração o fato de que 70% dos argentinos atribuem corretamente a culpa dos atuais malefícios ao governo Kirchner.  Isso indica que toda a propaganda e mistificação kirchnerista perde força à medida que passam os dias, e a realidade começa a ser aceita por um número cada vez maior de pessoas.
E que "realidade" é essa?  A realidade de como funciona e como termina todos os "populismos macroeconômicos"
Ainda no ano de 1989, os economistas Rudiger Dornbusch e Sebastián Edwards apresentaram sua tese a respeito do "populismo macroeconômico na América Latina".  Para eles, o populismo econômico é um programa de governo que, por meio de "políticas fiscais e creditícias expansivas (...), visa o crescimento econômico a todo custo em conjunto com a redistribuição de renda" ao mesmo tempo em que "menospreza os riscos da inflação e dos déficits orçamentários do governo, das restrições externas e da reação dos agentes econômicos perante as políticas agressivas e anti-mercado".
Segundo os autores, o populismo econômico possui um caráter autodestrutivo, uma vez que seus problemas, ao serem subestimados, acabam por gerar grandes retrações do PIB per capita, dos salários reais e do poder de compra dos trabalhadores, prejudicando principalmente aqueles a quem o governo mais queria beneficiar.
Talvez o mais interessante da análise de Dornbusch e Edwards seja sua classificação do populismo econômico em 4 etapas
Na primeira etapa, com a economia relativamente arrumada, as políticas fiscais e monetárias expansivas geram um crescimento da produção, do emprego e dos salários reais.
Na segunda etapa, vários gargalos começam a aparecer.  A inflação aumenta de maneira significativa.  O déficit fiscal do governo piora em decorrência dos subsídios do governo aos seus setores favoritos e do congelamento das tarifas dos serviços públicos (o que gera necessidade de repasses para essas empresas).  A desvalorização cambial ou o controle do câmbio se tornam inevitáveis.
As etapas 3 e 4 mostram como terminam todos os experimentos populistas: escassez de produtos, inflação de preços em disparada, fuga de capitais, acentuada desvalorização cambial e, no extremo, escassez de dólares.  Consequentemente, com a queda nos investimentos e com menos capital investido per capita, os salários reais inevitavelmente caem e o crescimento econômico se estanca e entra em contração.
O que normalmente se segue é a implantação de um plano "ortodoxo" de estabilização, que buscará corrigir os desequilíbrios na economia para que os investimentos retornem e a produção volte a crescer.
O gráfico abaixo mostra a evolução do PIB per capita argentino em dólares ao câmbio oficial controlado pelo governo (linha preta) e ao câmbio verdadeiro, o do mercado paralelo (linha azul).  Em 2015, o país retornou aos níveis de 2007.
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Conclusão
Como a empiria deixa claro, e em completo acordo com a teoria, o melhor que políticas populistas conseguem fazer é gerar um crescimento econômico de curto prazo.  No entanto, dado que esse crescimento foi estimulado pelo "ópio" das políticas monetárias e fiscais, todo o experimento está condenado a terminar em uma nova e grande crise.
Sendo assim, a atual situação argentina de inflação de preços em recrudescimento, reajuste das tarifas dos serviços públicos, e queda no poder de compra dos salários nada mais é do que o clímax do populismo.
Felizmente, 7 em cada 10 argentinos estão entendendo corretamente o que se passa.

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