quinta-feira, 31 de março de 2016

Explicando as pedaladas fiscais: por que são crime e por que prejudicaram exatamente os mais pobres ( Leandro Roque)


Bicicleta-Dilma-residencia-presidencial-AP_CLAIMA20150707_0277_7.jpgComecemos por uma explicação sucinta, em sugestivas 13 etapas, do que são as pedaladas fiscais.
1) Em épocas normais, o Tesouro Nacional repassa dinheiro para os beneficiários de vários programas sociais, como Bolsa Família, seguro-desemprego e abono salarial.
2) Também em épocas normais, o Tesouro Nacional repassa dinheiro — só que agora na forma de empréstimos subsidiados — para os beneficiários dos programas Minha Casa, Minha Vida, Pronatec, e Fies.  Igualmente, ele também repassa — e também na forma de empréstimos, só que a um volume muito maior — para as grandes empresas, para os compradores de imóveis, e para os ruralistas de grande e médio porte
3) No item 1, o Tesouro transfere o dinheiro para a Caixa Econômica Federal e para o Banco do Brasil, que em seguida repassa esse dinheiro para os beneficiados.
4) No item 2, o esquema é o mesmo, só que agora ocorre na forma de empréstimos, e não de meros repasses.  Ou seja, o Tesouro transfere dinheiro aos bancos estatais e estes emprestam esse dinheiro, a juros bem abaixo da SELIC, para estudantes, grandes empresas, compradores de imóveis, e ruralistas. Além de CEF e BB, o BNDES também entra em cena.
5) Esse esquema, embora sempre tenha existido, foi turbinado a partir do último trimestre de 2008, com o intuito de estimular a economia em meio à crise financeira mundial. Até o ano de 2013, ele funcionou como o esperado.
6) Em 2014, porém, as contas públicas entram em desordem.  O governo federal, que até então sempre conseguira fechar suas contas anuais com um superávit primário (isto é, tendo receitas maiores que as despesas, excluindoo pagamento de juros da dívida), vislumbra a possibilidade de fechar o ano com um déficit primário (isto é, receitas menores que as despesas, mesmo desconsiderando os gastos com juros).  Este seria o primeiro déficit primário desde o início da série histórica.
7) Para evitar esse vexame, principalmente em um ano eleitoral, o governo inventa uma artimanha: com a intenção de maquiar as contas e transformar um déficit em superávit, o Tesouro pede para os bancos estatais repassarem, utilizando capital próprio, o dinheiro dos programas citados nos itens 1 e 2, sem que ele, Tesouro, tenha antes de transferir aos bancos esse mesmo dinheiro.
8) Ou seja, em vez de transferir dinheiro para os bancos estatais e os bancos estatais então repassarem esse dinheiro para seus destinatários finais, o Tesouro simplesmente pede para que os bancos estatais repassem eles próprios esse dinheiro, sob a promessa de que, futuramente, o Tesouro os ressarcirá.
9) O objetivo é claro: ao não transferir esse dinheiro para os bancos estatais — ou, dizendo de outra forma, ao atrasar a transferência desse dinheiro para os bancos estatais —, o Tesouro poderá utilizá-lo livremente em outras áreas.  O dinheiro que antes seria gasto em repasses aos bancos estatais agora pode ser gasto em outras atividades sem que isso piore a contabilidade do orçamento.  Cria-se a mágica de fazer dois gastos distintos com um dinheiro só.
10) Na prática, portanto, o Tesouro pede para os bancos estatais financiarem algo que era de sua responsabilidade.  Isso passa a ocorrer mensalmente.
11) Ao deixar de transferir mensalmente o dinheiro para os bancos estatais, o governo fica livre para utilizar esse dinheiro como bem entender. Efetivamente, isso representa um aumento não-contabilizado de gastos: os gastos totais (gastos do governo mais gastos financiados pelos bancos) aumentaram, mas os gastos contabilizados permaneceram inalterados. Excelente estratégia para um ano eleitoral .
12) Ou seja, os gastos sociais — agora financiados pelos bancos — seguem ocorrendo normalmente, mas como nenhum dinheiro do governo foi direcionado para este fim, o que se tem, na prática, é um governo livre para utilizar esse dinheiro como quiser, sem que tais aumentos de gastos sejam contabilmente registrados.  Agindo desta forma, o governo passa a apresentar mensalmente em seu balancete despesas menores do que as que realmente ocorreram.  Assim, ele não apenas espera conseguir um superávit primário, ainda que artificial, como ainda consegue aditivar seus gastos em ano eleitoral sem que isso apareça na contabilidade.
13) A intenção do governo é enganar o mercado financeiro, os especialistas em contas públicas e as agências de classificação de risco.
Essa, em suma, é a definição de "pedaladas fiscais": a prática do Tesouro Nacional de atrasar, propositalmente, a transferência de dinheiro para bancos estatais com o objetivo de melhorar artificialmente as contas públicas, ao mesmo tempo em que obriga esses bancos a arcarem por conta própria com essas despesas, que são de responsabilidade do Tesouro.
Ao deixar de transferir o dinheiro para os bancos estatais, o governo apresentava despesas contabilmente menores do que as que ocorreram na prática, numa tentativa de ludibriar os agentes econômicos.
As duas encrencas
Mesmo um leigo em economia e em contabilidade não teria nenhuma dificuldade para perceber que, na mais brande das hipóteses, há algo de desonesto nesta prática.  No mínimo, está havendo uma adulteração das contas, o que pode ser entendido como fraude.
Mas a coisa é ainda pior.  Aliás, é duplamente pior.  Essa prática não apenas infringe duas leis criadas pelo próprio governo, como também é danosa para a economia.
Comecemos pela primeira parte.
Infração de leis
A definição precípua de crédito é: um valor disponibilizado por uma entidade (o credor) para alguém (o mutuário ou devedor) por um período de tempo determinado.
As pedaladas fiscais, como descritas, são claramente uma operação de crédito entre os bancos estatais e o governo federal: os bancos estatais (credores) disponibilizaram para o governo federal (mutuário), por um período de tempo (a princípio, indeterminado), uma quantia de dinheiro, a qual deveria ser quitada no futuro.
E daí?
E daí que eis o que diz o artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal:
Art. 36. É proibida a operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controle, na qualidade de beneficiário do empréstimo.
Parágrafo único. O disposto no caput não proíbe instituição financeira controlada de adquirir, no mercado, títulos da dívida pública para atender investimento de seus clientes, ou títulos da dívida de emissão da União para aplicação de recursos próprios.
Ou seja, falando em termos populares, um banco estatal não pode financiar o governo federal na forma de repasses diretos.  O que um banco estatal pode legalmente fazer é comprar títulos do Tesouro; ele não pode simplesmente repassar dinheiro para o Tesouro ou (o que dá no mesmo) gastar dinheiro em nome do Tesouro.
Em termos puramente legais, portanto, as pedaladas fiscais atentam contra o artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal.
E foi exatamente assim que o Tribunal de Contas da União entendeu a situação.  Esses atrasos rotineiros e volumosos nas operações entre o governo federal e os bancos estatais caracterizam uma "operação de crédito entre uma instituição financeira estatal e o ente da Federação que a controla" com o claro intuito de maquiar as contas públicas.
Apenas em 2014, nada menos que R$ 40 bilhões foram usados em pedaladas, o que significa que essa prática retirou indevidamente R$ 40 bilhões da apuração da dívida pública.
Eis a participação de cada banco estatal nas pedaladas apenas em 2014 (lembrando que o FGTS está sob responsabilidade da Caixa):
pedaldasgrafico2.png
A própria Caixa Econômica Federal reconheceu que tinha de mensalmente bancar os gastos do Tesouro, às vezes em montantes que chegavam a quase R$ 6 bilhões de reais.
graficopedaladas.png
(O principal banco a fazer as pedaladas, como mostra o primeiro gráfico, foi o BNDES, por meio do PSI (Programa de Sustentação de Investimento), criado em 2009.  Quem tomava dinheiro por essa linha, para comprar máquinas e equipamentos, pagava juros de 2,5% ao ano, o que equivalia a taxas reais negativas, considerando o IPCA de mais de 6% à época.)
Mas tudo isso foi em 2014.  Ao final de 2015, ano em que as pedaladas continuaram, tudo piorou: o valor total já estava em incríveis R$ 72,4 bilhões.
E Dilma com tudo isso?  Desrespeitar um artigo da Lei de Responsabilidade Fiscal é motivo para impeachment?
A encrenca está em outra lei: a Lei 1.079/50 (alterada em outubro de 2000 pela Lei 10.028/00).  Segundo esta lei, são crimes de responsabilidade do presidente da República:
Artigo 10, inciso 6:
Ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal.
Artigo 11, inciso 3:
Contrair empréstimo, emitir moeda corrente ou apólices, ou efetuar operação de crédito sem autorização legal.
Dado que o TCU considerou que as pedaladas foram uma operação de crédito, e que tal operação nunca foi votada pelo Senado, nem nunca foi fundamentada na lei orçamentária, e nem nunca teve prescrição ou autorização legal, então tal prática claramente violou duas leis: a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei 1.079/50, esta última sendo clara ser sua violação crime de responsabilidade do presidente da República.
Há base para impeachment?  Isso é um assunto que deixo para os nobres causídicos.  Mas que Dilma cometeu crimes, isso é inegável.
No entanto, o pior crime foi aquele que, estranhamente, não é considerado crime passível de punição.
Inflação e destruição da economia
Quando o Tesouro transfere dinheiro para os bancos estatais, e estes então repassam esse dinheiro para terceiros, tal operação, por si só, não é inflacionária.  A quantidade de dinheiro na economia permaneceu inalterada. 
Aquilo que o Tesouro arrecadou via impostos, ele transferiu para os bancos, que então repassaram para terceiros.  O dinheiro mudou de mãos e gerou privilégios para uns e desvantagens para outros; mas, por si só, tal operação não é inflacionária.
Já quando o Tesouro não transfere nada para os bancos, mas os obriga a repassar dinheiro para terceiros, a situação muda completamente.  Nesse caso, os bancos repassarão dinheiro (no caso dos gastos sociais) ou emprestarão dinheiro (no caso de financiamentos) para terceiros, e ficarão à espera do Tesouro lhes transferir esse valor.
Mas os bancos — e esse é o pulo do gato — não emprestam ou repassam um dinheiro que está "guardado dentro da gaveta" ou em um "cofre para emergências".  Não é assim que funciona o atual sistema bancário.  No atual sistema bancário, que opera com reservas fracionárias, bancos criam dinheiro eletrônico do nada e emprestam (ou repassam, no caso das pedaladas) esse dinheiro.
No caso das pedaladas, a operação dos bancos estatais segue a mesma mecânica de um empréstimo convencional: os bancos criam dinheiro do nada — na verdade, meros dígitos eletrônicos —, repassam esse dinheiro para pessoas ou empresas (acrescentam esses dígitos na conta do beneficiado), e então ficam à espera de que o Tesouro lhes transfira o valor desse repasse.  E, enquanto o Tesouro não fizer isso, a quantidade de dinheiro na economia terá aumentado.
Ou seja, uma pedalada é inerentemente inflacionária.  Ela aumenta a quantidade de dinheiro na economia.  De um lado, os bancos criaram dinheiro eletrônico e repassaram esses dígitos eletrônicos para terceiros.  De outro, o Tesouro não subtraiu igual quantia (de dígitos eletrônicos) de ninguém para repassá-la ao banco.  Portanto, no saldo final, a quantidade de dinheiro na economia aumentou.
E, como mostrado acima, o total das pedaladas — isto é, a quantidade de dinheiro que foi criada e jogada na economia apenas por essa modalidade inventiva — foi de R$ 72,4 bilhões.
Para se ter uma ideia, tal valor é igual à quantidade total de crédito concedida pelos bancos privados neste mesmo intervalo de tempo (anos de 2014 e 2015). 
Vale repetir: apenas com as pedaladas, os bancos estatais jogaram na economia a mesma quantidade de dinheiro que os bancos privados jogaram em todas as suas modalidades de empréstimo durante esse mesmo período de tempo.
Mais ainda: esse valor das pedaladas representou o valor em que o governo aumentou seus gastos sem ter receitas equivalentes — o que, na prática, representa um déficit.
E você estranha que a carestia esteja alta, que o real tenha se desvalorizado tão acentuadamente, e que os juros não tenham surtido efeito?
Conclusão
Quais foram, portanto, as consequências diretas das pedaladas?
Aumento da quantidade de dinheiro na economia (inflação monetária), aumento não-contabilizado de gastos, e subsequente destruição do orçamento do governo causada por essa maquiagem contábil.
Quais foram as consequências indiretas? 
Consolidação do déficit orçamentário em níveis recordes (nada menos que 9% do PIB) por causa do aumento de gastos possibilitado pelas pedaladas, perda do grau de investimento pelas três agências de classificação de risco,disparada da taxa de câmbioaumento da inflação de preços a dois dígitosqueda da renda real dos trabalhadores(gráfico 14) e, inevitavelmente, aumento da pobreza.
Este foi o verdadeiro crime do governo Dilma.









quarta-feira, 30 de março de 2016

Dilma: não foi só crime de responsabilidade (oantagonista)

Dilma Rousseff continua a mentir que não cometeu crime de responsabilidade. O correto é dizer que ela não cometeu APENAS crime de responsabilidade -- o que já é suficiente para varrê-la do Planato.

A petista cometeu também crime de desobediência, extorsão, crime eleitoral, crime de responsabilidade fiscal, falsidade ideológica e improbidade administrativa.
Eis outra vez a lista feita pela Istoé:
“1- CRIME DE RESPONSABILIDADE
Obstrução da Justiça I:
Dilma disse a Lula que enviaria a ele um termo de posse de ministro para ser utilizado em caso de necessidade.
Obstrução da Justiça II:
Dilma Rousseff escalou Delcídio Amaral para articular a nomeação do ministro Marcelo Navarro Dantas, do STJ, em troca da soltura de presos da investigação policial.
Obstrução da Justiça III:
Aloizio Mercadante foi escalado para tentar convencer Delcídio Amaral a não fechar acordo de delação premiada e chegou a insinuar ajuda financeira.
Obstrução da Justiça VI:
Delcídio Amaral afirmou que Dilma costumava dizer que tinha cinco ministros no Supremo, numa referência ao lobby do governo nos tribunais superiores para barrar a Lava Jato.
(Enquadramento legal: Inciso 5 do Artigo 6º da Lei 1.079/1950)
2- CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
Nomeação de Lula no Diário Oficial:
Apesar de decisão da Justiça Federal que sustava a nomeação do ex-presidente para a Casa Civil, Dilma fez o ato ser publicado no Diário Oficial da União.
(Enquadramento legal: Artigo 359 do Código Penal)
3- EXTORSÃO
Ameaças para doação de campanha:
Ricardo Pessoa, da UTC Engenharia, afirmou ter pago propina à campanha presidencial em 2014 porque teria sido ameaçado pelo ministro Edinho Silva, então tesoureiro de Dilma.
(Enquadramento legal: Artigo 158 do Código Penal)
4- CRIME ELEITORAL
Abuso de poder político e econômico na campanha de 2014:
Dilma é acusada em ação no TSE de se valer do cargo para influenciar o eleitor, em detrimento da liberdade de voto, além da utilização de estruturas do governo, antes e durante a campanha, o que incluiria recursos desviados da Petrobras.
Caixa 2:
A PF apontou no relatório de indiciamento do marqueteiro do PT João Santana e de sua mulher, Mônica Moura, que o casal recebeu pelo menos R$ 21,5 milhões entre outubro de 2014 e maio de 2015 do “departamento de propina” da Odebrecht.
(Enquadramento legal: Art. 237, do Código Eleitoral)
5- CRIME DE RESPONSABILIDADE FISCAL
Pedaladas fiscais:
(Enquadramento legal: Inciso III do Art. 11 da Lei 1.079/1950)
Decretos sem autorização do Congresso:
(Enquadramento Legal: Inciso VI do Artigo 10 da Lei 1.079/1950)
6- FALSIDADE IDEOLÓGICA
Escondendo o rombo nas contas:
(Enquadramento legal: Art. 299 do Código Penal)
7- IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Visita político-partidária:
Dilma foi denunciada na Justiça por mobilizar todo um aparato de governo – avião, helicóptero, seguranças – para prestar solidariedade a Lula em São Bernardo.









terça-feira, 29 de março de 2016

Assim termina o populismo ( Iván Carrino)

presidentes_dilma_e_cristina_kirchner.jpg
O periódico argentino El Cronista divulgou uma pesquisa segundo a qual "7 de cada 10 argentinos responsabilizam o governo anterior pelos problemas atuais" vivenciados pelo país.
Segundo a pesquisa, 70% dos entrevistados atribuíram ao governo de Cristina Kirchner os suplícios econômicos atuais, ao passo que 20% atribuíram responsabilidade ao governo de Mauricio Macri, e os outros 10% consideraram que a responsabilidade é de ambos.
Entre os problemas atuais mais prementes vivenciados pelos argentinos, os principais são: aceleração da inflação de preços, aumento da cotação do dólar após a liberação do câmbio [a Argentina possuía duas taxas de câmbio, uma oficial e uma paralela; leia tudo a respeito aqui], queda dos salários reais e uma possível recessão no primeiro semestre, com um aumento no nível da pobreza.
Quanto a isso, alguns comentários são importantes.
O mesmo periódico El Cronista deu destaque a um estudo da CIFRA [uma espécie de DIEESE argentino] que dizia o seguinte:
... a economia transita em meio a um processo inflacionário que ainda não acabou, e não apenas porque os efeitos da desvalorização cambial ainda não foram completamente transmitidos aos preços do bens, como também porque o governo aboliu os subsídios e aumentou fortemente as tarifas dos serviços públicos.
[...] o estudo da Cifra advertiu sobre "um significativo aumento da pobreza" que, ressaltou, "afetava 19,7% da população no segundo trimestre de 2015 e passou a afetar de 22,1 a 23,3% da população em janeiro de 2016" [...] Isso equivale a entre 1,1 a 1,8 milhão de pessoas que entrarem em situação de pobreza em decorrência do aumento dos preços dos produtos da cesta básica.
O problema é que o informe em questão se equivoca quanto à sequência dos fatos e, com isso, chega a conclusões errôneas.
A verdade é que não foi a desvalorização cambial e o aumento das tarifas dos serviços públicos o que fizeram aumentar a inflação de preços, mas sim exatamente o contrário: foi a inflação — ou seja, o aumento de preços gerado pelo aumento excessivo da oferta monetária, que triplicou em pouco mais de 3 anos (aumento esse feito pelo governo Kirchner para cobrir os déficits orçamentários do governo) — que desarranjou toda a economia, levando à necessidade de um realinhamento do câmbio e das tarifas dos serviços públicos.
Por algum tempo, o governo pode recorrer a medidas populistas e evitar que esse efeito chegue a todas as áreas da economia impondo controles ad hoc.  E foi isso o que o governo Kirchner fez ao criar uma taxa oficial e artificial para o câmbio (o "cepo" cambial), ao congelar as tarifas dos serviços públicos, e ao determinar — por meio do programa Precios Cuidados — que os supermercados não aumentassem os preços.
No entanto, o que tais programas intervencionistas realmente conseguem lograr é reduzir drasticamente as exportações, desestimular investimentos e acabar com os incentivos para que as empresas produzam cada vez mais e melhores bens e serviços.
Consequentemente, chega-se a uma situação em que a inflação de preços não baixa e a economia não cresce: uma estagflação.
O governo Marci poderia ter optado por deixar tudo como estava, mas isso significaria apenas aprofundar ainda mais tanto a inflação futura quanto a estagnação econômica.  Acima de tudo, o prolongamento de tais intervenções teria gerado ainda mais pobreza — pobreza essa que, aliás, uma pesquisa da Universidad Católica Argentina afirmou ser de elevados 28,7% da população ainda em 2014.
Para evitar esse cenário, optou-se por fazer algo, e o que tinha de ser feito era desmantelar os controles e regulações que estavam freando a capacidade produtiva do país.
Agora, é importante ressaltar que é inevitável que tal decisão gere um efeito negativo imediato sobre a capacidade de compra de todos os argentinos; no entanto, é um ato de honestidade intelectual reconhecer que esse efeito não é consequência das novas medidas, mas sim o resultado inevitável de tudo aquilo que vinha sendo feito pelo governo até então. 
De concreto, a ideia de que eliminar controles e reconhecer o valor real das coisas — como do dólar, da energia e de alguns produtos no supermercado — são medidas que fazem com que a pobreza aumente, então, por uma questão de lógica, a pobreza já estava elevada, mas se mantinha ocultada por estes controles.
O fato é que as péssimas políticas econômicas adotadas pelo kirchnerismo aumentaram o número de pobres em 5 milhões em 6 anos.  Frente a este panorama desastroso, era imperativo mudar de rumo.
As etapas do populismo
É evidente, no entanto, que a atual situação não é nada confortável.  Mas é sim motivo de comemoração o fato de que 70% dos argentinos atribuem corretamente a culpa dos atuais malefícios ao governo Kirchner.  Isso indica que toda a propaganda e mistificação kirchnerista perde força à medida que passam os dias, e a realidade começa a ser aceita por um número cada vez maior de pessoas.
E que "realidade" é essa?  A realidade de como funciona e como termina todos os "populismos macroeconômicos"
Ainda no ano de 1989, os economistas Rudiger Dornbusch e Sebastián Edwards apresentaram sua tese a respeito do "populismo macroeconômico na América Latina".  Para eles, o populismo econômico é um programa de governo que, por meio de "políticas fiscais e creditícias expansivas (...), visa o crescimento econômico a todo custo em conjunto com a redistribuição de renda" ao mesmo tempo em que "menospreza os riscos da inflação e dos déficits orçamentários do governo, das restrições externas e da reação dos agentes econômicos perante as políticas agressivas e anti-mercado".
Segundo os autores, o populismo econômico possui um caráter autodestrutivo, uma vez que seus problemas, ao serem subestimados, acabam por gerar grandes retrações do PIB per capita, dos salários reais e do poder de compra dos trabalhadores, prejudicando principalmente aqueles a quem o governo mais queria beneficiar.
Talvez o mais interessante da análise de Dornbusch e Edwards seja sua classificação do populismo econômico em 4 etapas
Na primeira etapa, com a economia relativamente arrumada, as políticas fiscais e monetárias expansivas geram um crescimento da produção, do emprego e dos salários reais.
Na segunda etapa, vários gargalos começam a aparecer.  A inflação aumenta de maneira significativa.  O déficit fiscal do governo piora em decorrência dos subsídios do governo aos seus setores favoritos e do congelamento das tarifas dos serviços públicos (o que gera necessidade de repasses para essas empresas).  A desvalorização cambial ou o controle do câmbio se tornam inevitáveis.
As etapas 3 e 4 mostram como terminam todos os experimentos populistas: escassez de produtos, inflação de preços em disparada, fuga de capitais, acentuada desvalorização cambial e, no extremo, escassez de dólares.  Consequentemente, com a queda nos investimentos e com menos capital investido per capita, os salários reais inevitavelmente caem e o crescimento econômico se estanca e entra em contração.
O que normalmente se segue é a implantação de um plano "ortodoxo" de estabilização, que buscará corrigir os desequilíbrios na economia para que os investimentos retornem e a produção volte a crescer.
O gráfico abaixo mostra a evolução do PIB per capita argentino em dólares ao câmbio oficial controlado pelo governo (linha preta) e ao câmbio verdadeiro, o do mercado paralelo (linha azul).  Em 2015, o país retornou aos níveis de 2007.
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Conclusão
Como a empiria deixa claro, e em completo acordo com a teoria, o melhor que políticas populistas conseguem fazer é gerar um crescimento econômico de curto prazo.  No entanto, dado que esse crescimento foi estimulado pelo "ópio" das políticas monetárias e fiscais, todo o experimento está condenado a terminar em uma nova e grande crise.
Sendo assim, a atual situação argentina de inflação de preços em recrudescimento, reajuste das tarifas dos serviços públicos, e queda no poder de compra dos salários nada mais é do que o clímax do populismo.
Felizmente, 7 em cada 10 argentinos estão entendendo corretamente o que se passa.

Maquiavel para brasileiros ( TIAGO AMORIM)

ldNão se viu manifestação popular expressiva durante os oito anos do governo Lula. As “pessoas de bem”, hoje vestidas de verde e amarelo, amantes dos símbolos nacionais e preocupadas com o destino do país, não ergueram suas vozes contra a ditadura petista que se erguia a olhos nus.

A partir do momento em que Maquiavel publica O Príncipe a política torna-se ciência autônoma. Até então, pode-se dizer que esta mesma dimensão da vida humana era compreendida dentro da perspectiva teleológica e metafísica que preponderava no Ocidente, como se observa nos escritos de Aristóteles ou nos pensadores medievais.
É o caso também de Santo Isidoro de Sevilha, que ainda na Antiguidade Tardia (expressão que empresto do professor Renan Frighetto), foi o grande responsável por converter a corte visigoda ao cristianismo. Em sua obra máxima, Etimologias, trata também de política, pois era preciso não apenas converter os governantes bárbaros, mas também ensiná-los a governar como membros da Igreja. E foi Isidoro quem formulou – talvez pela primeira vez na história da Igreja – o conceito de príncipe cristão: aquele que age em nome de Deus na busca do bem comum.
Isto deu tão certo e foi tão difundido durante a Idade Média, que é comum encontrarmos referências a esta mesma noção em obras tardias que revelam, no conjunto, a preocupação dos políticos católicos em ser esta ação inspirada por Deus na sociedade. Desde o batismo de Clóvis, no início do século VI, até os reis taumaturgos do medievo central (ver a obra de Marc Bloch a respeito), passando por esta problematização consciente e propositiva de Santo Isidoro, é justo afirmar que a política, antes de Maquiavel, era encarada como forma de caridade (a isto fez referência o Papa Francisco recentemente). Obviamente houveram desvios individuais, mas o argumento geral é válido e historicamente atestado. O livro de Marcelo Cândido da Silva, A Realeza Cristã na Alta Idade Média, traça um perfil desta nobreza religiosa (particularmente a francesa), demonstrando a relação íntima e indissociável entre teologia e política.
Ou seja: Maquiavel iniciava, com sua obra moderna, a quebra de um paradigma, percebida na particularização e segmentação da política. Segundo sua visão, os governantes são dispensados do  dever moral e da observância de valores a priori (discussão que remonta a Aristóteles, novamente, e que envolve concepções jurídicas opostas). Há tradicionalmente quem defenda o direito natural e as leis inscritas no coração do homem – o que significa, a grosso modo, uma crença na origem metafísica do mundo e um reconhecimento de direitos fundamentais e atemporais, como à vida e à liberdade. Mas o autor de O Príncipe está na outra ponta: para ele e toda uma nova e complexa escola surgida a partir de então, o direito e a moral são frutos da vida social e das escolhas a posteriori. Não há hierarquia de valores e princípios, diz Maquiavel, nem moral desejável (senão aquela determinada pela constituição social, conduzida pelo governante).
Daí que o sentido de sua conhecida frase (“os fins justificam os meios”) seja justamente este: o governante deve ser julgado pelos seus resultados, e não pela motivação ou causa de suas ações.
É aqui que a realidade política brasileira entra: por quanto tempo nossos meios de comunicação, nossos “intelectuais”, nossos atores públicos e classe política foram coniventes com o Partido dos Trabalhadores? Eu respondo: pelo tempo que duraram os bons resultados econômicos (sejam eles mérito do PT ou não).
Não se viu manifestação popular expressiva durante os oito anos do governo Lula. As “pessoas de bem”, hoje vestidas de verde e amarelo, amantes dos símbolos nacionais e preocupadas com o destino do país, não ergueram suas vozes contra a ditadura petista que se erguia a olhos nus, com aparelhamento das instituições (inclusive do STF), conchavos políticos à luz do dia (vide Mensalão), homicídios mal explicados (Celso Daniel), monopólio dos jornais, dos institutos de pesquisa, da produção cultural etc.
O que estava fazendo a brava gente brasileira durante esse período de costura maquiavélica feita pelo (hoje) odiado PT? Respondo de novo: salvo parcelas minoritárias da população, estava curtindo a boa onda econômica, aplaudindo os resultados petistas.
Maquiavel não poderia estar mais contente. Aqui no Brasil sua teoria encontrou ressonância como em poucos lugares do mundo. Os governantes e os governados concordam que um roubo ali, um aborto de anencéfalos aqui, não tem problema. Importa o resultado final, que deve expressar a moral eleita coletivamente. No nosso caso, money no bolso.
É preciso dizer que a crise política atual é o aspecto mais superficial da baixeza moral e espiritual a que nos dispomos viver e transmitir desde 1500. Lembremos disso ao iniciar a limpeza que dizemos ser necessária.

E o diploma? ( KENNETH WIESKE )

diploma
Como estrangeiro, fico impressionado com um aspecto da cultura brasileira: o amor pelos documentos oficiais, com vários selos de autenticação. Não sei se o Brasil é uma república verdadeiramente federativa, mas eu tenho certeza que o Brasil é uma república burocrática. Se não tiver minha identidade em mãos, será que eu existo?
Esta preocupação surge também quando pais estão avaliando a possibilidade de educar seus próprios filhos. Como eles podem avançar na vida sem diploma? Será que eles vão saber algo, se não tiverem um documento que afirma isso?
Nosso filho mais velho tem 19 anos. Hoje, ele estuda o quadrivium numa faculdade de confissão reformada nos Estados Unidos. Nathanael, em todos os anos de educação domiciliar, nunca fez nenhuma prova. Ele nunca recebeu nenhuma nota. Ele nunca tirou nenhum diploma.
Quando ele foi fazer o SAT (o Enem dos EUA), primeiro fez uma simulação. A nota foi razoável. Foi a primeira nota que recebeu na vida. Quando fez o SAT ele tirou nota máxima em interpretação de textos. Nas outras duas seções (matemática e redação), ele tirou uma nota média.
Hoje, ele está tirando boas notas (cum honore, cum laude) na faculdade clássica (e rigorosa) onde estuda. Meu filho não é um gênio. Ele simplesmente recebeu uma boa educação, feita sob medida para combinar com sua personalidade e seus dons e talentos. Ele recebeu a liberdade de amar e buscar o conhecimento. Tudo isto foi uma preparação mais que suficiente para ele encarar a vida e o mundo afora. Ele tem a capacidade de se adaptar a um outro sistema de ensino, e de aprender como fazer provas e receber notas. Ele consegue estudar e aprender num nível igual ou superior a alguém que estudou toda a vida numa escola tipo linha de montagem.
Resumo da história: a falta de um pedaço de papel não vai necessariamente acabar com a vida do seu filho.
No Brasil, a lei permite que pessoas com 18 anos completes façam o Enem, e por meio deste exame obtenham o certificado de conclusão de ensino médio. Então, se você realmente quer o pedaço de papel, tem como conseguir! (veja o link do próprio Enem aqui).

Acredito que o que aconteceu nos EUA e no Canadá vai também acontecer no Brasil no futuro. As faculdades descobriram rapidamente que os alunos educados em casa muitas vezes têm um melhor desempenho que alunos educados em instituições de ensino. Hoje, as faculdades fazem de tudo para atrair alunos que foram educados em casa.
Lembro-me também de uma filha de conhecidos nossos. Ela toca piano muito bem. E foi para uma faculdade que tem um programa de música muito bem conceituado. Ela pediu para entrar no programa, mas não tinha um diploma de ensino médio. Mandaram-na em embora.
“Antes de sair, posso tocar só 5 minutos para vocês?”, ela perguntou. Eles concordaram. Ela nem tocou os 5 minutos todos, e eles já declararam que não somente ele seria recebida no programa, mas que receberia uma bolsa.
O que vale é capacidade, não quantidade de papel.
“Vês a um homem perito na sua obra? Perante reis será posto; não entre a plebe.” — Provérbios 22.29







quinta-feira, 24 de março de 2016

Os vários mitos sobre a corrupção ( Adriano Gianturco G)


vfor.jpg1. O Brasil não é o país mais corrupto do mundo.
Não é uma questão de opinião; tal afirmação está objetivamente errada.
Existe um ranking internacional que mede a corrupção e o Brasil está na posição 76 (em 168 países analisados). Ou seja: na primeira metade da classificação e à frente de 93 países que são ainda mais corruptos.
Talvez esta errada percepção venha do costume de querer comparar sempre com países ricos. As pessoas viajam para países ricos, são atualizadas sobre o que acontece na Europa e nos EUA, e lêem bem menos notícias sobre África e Ásia.  
Comparado à Dinamarca e à Nova Zelândia, todo mundo é mais corrupto. Ter como ambição o nível de corrupção da Dinamarca é bom, mas lamentar que o Brasil não seja a Dinamarca é no mínimo injusto. Comparações mais adequadas seriam com países da América Latina ou com outros países pobres ou de renda média.
Transparency International Index mostra que, na América do Sul, apenas Chile e Uruguai são menos corruptos que o Brasil. Nenhuma surpresa. Entre os BRICS, só a África do Sul é menos corrupta. Comparado a México, Indonésia e Turquia (México-95; Indonésia - 88; Turquia - 66), o nível de corrupção brasileiro não é muito diferente do desses países com nível semelhante de desenvolvimento.
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2. O maior problema do Brasil não é a corrupção
Segundo a FIESP, segundo o relatório Brazil - Investment and Business Guide e segundo as revistas Latin Trade eForbes, o impacto da corrupção na economia brasileira vaira entre R$ 41,5 e R$ 69,1 bilhões por ano; ou seja entre 1,38% e 2,3% do PIB (esses dados se referem a 2010).
Segundo um estudo da FGV, em consequência das descobertas da Operação Lava-Jato, a economia brasileira deixou de produzir R$ 87 bilhões em 2015, similar aos percentuais dos relatórios acima. A corrupção tem um efeito simbólico muito forte e toca a moralidade de todos nós, mas as boas análises são aquelas racionais, analíticas e científicas, e não as emotivas.
O economista Samuel Pessoa pensa o mesmo:
Mas o custo da corrupção é muito menor do que o que as pessoas imaginam. O combate à corrupção, embora melhore o país, não fará aparecer recursos vultosos do Tesouro nacional. O Estado brasileiro está mal dimensionado. Arrecada menos do que gasta. E não porque está crescendo menos. Arrecada menos do que gasta por um problema estrutural, que gerou expectativas ruins, que geraram crescimento econômico baixo. O nó brasileiro hoje é o Estado.
O famoso economista Gordon Tullock ajuda a explicar isso ao mostrar que geralmente se consegue um grande favor de um político/burocrata em troca de uma propina relativamente pequena. Ou seja, levando-se em conta a grande recompensa, a corrupção podia até ser maior. Mas não é maior porque 1) a concorrência entre os burocratas reduz o preço das propinas cobradas; 2) há uma falta de confiança entre corrupto e corruptor, os quais, obviamente, não podem processar a outra parte em caso de desrespeito do acordo; e 3) há a pressão da opinião pública.
Mas o que são os 2,3% do PIB perdidos pela corrupção? 
Apenas os repasses do Tesouro para o BNDES — operação essa que utiliza o dinheiro de impostos dos brasileiros paraprivilegiar os empresários favoritos do governo — chegam a 9% do PIB.
Redistribuição regressiva, guerra às drogas, violência, intervencionismo, censura (politicamente correto, marco civil etc.), qualidade do ensino e da saúde estatal, saneamento básico, ineficiência do judiciário e exclusão comercial dos pobres (pelo protecionismo) são apenas alguns dentre problemas muito maiores.
3. Furar a fila não é corrupção.
Defensores de políticos gostam de dizer que o brasileiro não tem moral para reclamar, pois fura fila e cola nas provas.
Vamos desenhar as diferenças:
Furar a fila é desonestidade; pagar o burocrata do guichê para pular a fila é corrupção.
Colar na prova é desonestidade; pagar o professor para ter uma nota maior é corrupção.
Ter de explicar a diferença entre desonestidade geral e corrupção é um indício de que a situação é muito grave. Esta comparação descabida interessa apenas aos grandes corruptos do sistema político. O objetivo é transmitir a ideia de que não somos melhores do que eles e, por isso, não podemos reclamar.
Trata-se da desculpa perfeita para quem está no poder.
4. Não é culpa do jeitinho
Os leigos, bem como um discurso popular já enraizado em nossa cultura, tendem a pensar que as causas da corrupção são antropológicas (cultura, honestidade, competência, gênero, nacionalidade, religião, cultura etc.).
No entanto, a Ciência Política e a Economia são quase unânimes ao afirmar que as causas são sistêmicas (tipos de regras, sistema de incentivos/desincentivos, estado grande, intervencionismo, muita regulamentação, discricionariedade etc.).
Trata-se de uma questão de incentivos: há regras e arranjos institucionais que incentivam comportamentos negativos.  Havendo um sistema com essas características, isso já é o suficiente para atrair pessoas dispostas a tudo.
Nada a ver com jeitinho.  O jeitinho é a consequência de um arranjo, e não a causa dele.
Os ingênuos acreditam que "é só substituir o corrupto por um honesto".  Só que é o carro que tem de ser trocado, e não o motorista.
Os utopistas quiseram mudar a natureza do homem para criar o "homem novo" (Lenin) e acabaram gerando apenas distopias.  O necessário é construir um sistema que incentive e recompense comportamentos virtuosos, uma arquitetura compatível com a natureza humana. As pontes são construídas levando em consideração a lei da gravidade.  Quando as pontes caem, não adianta culpar a gravidade; o erro está na estrutura.
Karl Popper já dizia: Não precisamos de uma fortaleza feita por homens fortes; precisamos de uma boa fortaleza para evitar que homens fortes façam estragos.
5. Aumentar as penas não resolve nada
Por si só, aumentar sanções e penas, apesar de satisfazer os ímpetos mais justiceiros, não resolve muito.
O único efeito seria o de fazer com que menos pessoas estejam dispostas a correr o risco (maior) de recorrer à corrupção.  Consequentemente, isso levaria a um oligopólio, em que só os grandes e experientes participariam, o que tenderia a fazer com que o valor das propinas e do dinheiro desviado aumente.
6. Não é culpa do poder econômico
Os grandes empresários tentam comprar políticos porque eles têm algo poderoso a ser vendido: leis e regulamentações que garantem privilégios a uns à custa do resto.
Tire este poder de barganha, e o motivo para se comprar políticos acaba.
Por isso, é imperativa a necessidade de se desburocratizar, desregulamentar e simplificar a legislação. Regras simples, claras, gerais e universais impedem que os agentes econômicos comprem políticos em troca de uma legislação específica que os beneficie em detrimento de seus concorrentes.
Neste sentido, a atual legislação — que prevê "corrupção passiva" para os funcionários públicos e "corrupção ativa" para o agente econômico — está totalmente invertida.
7. Limitar o financiamento privado de campanhas não resolve nada.
Quando se proíbe (parcialmente ou totalmente) o financiamento eleitoral privado, o que inevitavelmente ocorre é o surgimento do mercado informal.  Aquilo que ocorre na economia privada quando há proibições — pense no mercado informal de drogas e armas —, também ocorre na esfera política.  Haverá ainda mais caixa dois.
O único sistema moralmente aceitável é o financiamento exclusivamente voluntário — individual ou coletivo —, sem teto e sem limite.  Tornando tudo totalmente legal e transparente, os doadores não têm motivos para fazê-lo ilegalmente (e arriscar a prisão).  E os eleitores saberão quem financia quem.
8. Fiscalizar não adianta
Trata-se do notório problema de "quem regula o regulador".
Você quer controlar uma determinada transação econômica, um leilão, uma relação entre duas ou mais pessoas.  Ato contínuo, você nomeia alguém para fiscalizar essa interação.  Beleza.
Mas quem irá fiscalizar o fiscal?
O que irá acontecer é que a corrupção irá se deslocar para a relação entre o fiscal e os fiscalizados.  Haverá agora uma pessoa a mais envolvida na interação — a qual não havia sido convidada —, o que fará com que o valor do dinheiro gasto nesse processo aumente.  Questão meramente econômica.
9. Prender os responsáveis não resolve o problema
Quando se prende o chefe do tráfico, surge outro em para ocupar o seu lugar. É apenas uma questão de tempo.
É perfeitamente justo punir os responsáveis e recuperar o dinheiro, mas isso é diferente. Isso seria agir nos sintomas, e não na raiz do problema.  Sem atacar a raiz — explicitada nos itens 4 e 6 —, iremos recorrentemente cair nos mesmos erros.
10. A corrupção não é causa da crise atual ou da pobreza
Faz até sentido: todos os países mais corruptos são mais pobres (correlação), logo se pensa que a corrupção gera pobreza (causalidade).
E, é fato, não deixa de ser verdade que a corrupção gera uma perda de bem-estar, desestimula os investimentos estrangeiros, e coloca o sistema em um círculo vicioso, do qual é difícil sair.
Mas o oposto também é verdadeiro: a pobreza gera corrupção.
O economista Gymah-Brempong mostra que a corrupção afeta os mais pobres, pois os mais pobres — por causa de sua situação — estão mais sujeitos a se submeter a um ato corrupto.  Um pobre, por exemplo, se chantageado por um funcionário público, é mais propenso a aceitar a extorsão, seja por ter menos opções para escapar, seja por talvez conhecer menos seus direitos, seja por conhecer menos pessoas poderosas (advogados, jornalistas, políticos) para defendê-lo etc.
Se um candidato propõe uma venda de voto em troca de um emprego para seu filho, se você for relativamente rico, você pode não precisar e não aceitar; mas se você for pobre e tal barganha significar sua sobrevivência, então talvez você aceite, mesmo sabendo perfeitamente que se trata de corrupção e de um ato imoral.
É por isso que a corrupção surge mais facilmente em um bairro pobre, em uma zona pobre, em um país pobre. É por isso que a pobreza gera corrupção.
Em tempo: não se está falando aqui que os pobres não entendam ou não tenham moral, muito pelo contrário. É só uma questão de necessidade material.
11. A corrupção não é a doença, é o sintoma.
Como vimos, a corrupção é um dos sintomas da pobreza.
O jurista peruano Enrique Ghersi mostra que a corrupção, mais do que ser a causa do baixo crescimento, da pobreza e de outras situações negativas, é o efeito, o resultado do protecionismo, do estado forte, e da hiper-regulamentação.
A corrupção é o sintoma, o poder político é a doença.  É o que, 2000 anos depois, os economistas Art Carden e Lisa Verdon demonstraram: protecionismo e intervencionismo, ao concederem mais poder coercitivo aos burocratas, aos "homens de sistema", geram mais corrupção.
O jornalista P.J. O'Rourke resume tudo: "Quando comprar e vender se tornam atos controlados pela legislação, a primeira coisa a ser vendida e comprada são os legisladores".
12. A corrupção legalizada é aceita
Se um funcionário do porto pede propina quando você importa uma carga de mercadoria, ou se um burocrata pede propina para você poder abrir sua loja, colocar uma placa comercial na sua vitrine, ou mesmo para colocar uma porta no seu prédio — qual a diferença disso para você ter de pagar uma taxa para obter autorizações e licenças da prefeitura?
Se você paga alguém para furar a fila e entrar na frente dela, prejudicando todos os demais que estão lá atrás, isso é corrupção.  Porém, se você paga um despachante que talvez tenha algumas "amizades" entre os funcionários públicos, e com isso consegue agilizar o processo — igualmente prejudicando quem está "lá atrás" —, aí é legal.
Agora tente explicar para um americano o que é um cartório e o que é um despachante.  Veja se ele entende e veja se ele não pensa que se trata de corrupção.
13. Nem todos os tipos de corrupção são economicamente ineficientes.
Considere a Coréia do Norte, ou um campo de concentração nazista, ou um gulag. Tudo é proibido: é proibido entrar produtos; é proibido o comércio interno. No entanto, se você se arriscar e conseguir introduzir algum produto, o bem-estar da população irá aumentar.
Igualmente, suponha que há uma legislação estipulando que, para alguém poder importar uma mercadoria, são necessárias várias autorizações, licenças, taxas, documentos etc.  Suponha também que tudo isso tenha um custo de R$ 3.000.
Suponha agora que um fiscal da alfândega peça R$ 1.000 para driblar tudo isso. O importador ganha, o fiscal ganha e os clientes finais ganham (pois a mercadoria chega mais cedo e vem mais barata).  É um jogo em que todos ganham.
O resultado econômico é positivo, o bem-estar de todos aumenta. No fundo, é exatamente por isso que as pessoas pagam: porque lhes é conveniente. Se não fosse, não pagariam.
Temos então 3 situações possíveis:  
a) Ausência da legislação;
b) Presença de legislação e obediência total;  
c) Presença de legislação e desobediência.
A situação "a" é a ideal e a que gera mais bem-estar.  A situação "b" é a que gera menos bem-estar.  Já a situação "c" é a segunda melhor.  
Com isso, é possível entender que existem dois tipos diferentes de corrupção: corrupção entre dois agentes políticos (o dinheiro que deveria ir para o estádio de Manaus vai para a conta pessoal de alguém) e a corrupção entre um agente econômico e um agente político (o exemplo da alfândega).
No primeiro caso, toda a sociedade foi fraudada, pois o dinheiro de seus impostos, que foi recolhido para um determinado fim, foi parar na conta bancária de um espertalhão. No segundo caso, mais dinheiro fica com seus originários e legítimos donos; mais dinheiro fica com o setor produtivo.  E isso é economicamente mais eficiente.
Se uma legislação é economicamente eficiente, então respeitá-la gera eficiência.  Se ela não é economicamente eficiente, então respeitá-la torna tudo mais ineficiente. (O supracitado estudo dos economistas Carden e Verdon demonstra exatamente isso).
Já a questão jurídica sobre legalidade e ética é diferente. Pense em uma legislação que, para você, é a mais ineficiente de todas.  Agora imagine dois países, um onde ela é plenamente respeitada, e outro onde todos a desconsideram. Faça uma análise técnica, uma previsão: qual país crescerá mais?
14. A corrupção não é uma patologia da política, é a sua fisiologia
As pessoas se surpreendem e se indignam com a corrupção porque, implicitamente, pensam que o dinheiro desviado deveria ir para a merenda escolar das criancinhas, para os hospitais dos doentes, ou para algum grande projeto de desenvolvimento nacional. Elas não imaginam que o dinheiro estava indo para o estádio de Manaus, para a festa de Carnaval, para alguma empresa amiga do alto escalão do governo, ou para uma ONG governista.
Ou seja, parte-se da premissa de que a política visa pura e simplesmente o bem-comum, e que os políticos são serem abnegados que pensam na coletividade.
Consequentemente, quando se descobre (quando se descobre) que não é bem isso o que ocorre, ficam horrorizadas.  E, ainda assim, continuam acreditando que tudo não passa de um ato perpetrado por apenas um ou dois políticos safados, e que a política em si é uma atividade boa e nobre.
A pergunta então passa a ser: quantos "desvios" mais serão necessários para que essas pessoas finalmente entendam que talvez esta seja a tendência e a essência da política, e que tais atos não são um simples desvio de conduta, mas sim a regra geral?  
Considere esta possibilidade: a política é simplesmente uma atividade humana, a qual é empreendida por indivíduos racionais e com interesses próprios.  Eles têm desejos e ambições.  Irão persegui-los legalmente e, às vezes, ilegalmente.  E, em alguns casos, serão descobertos.
Isso é o que demonstram as melhores escolas de pensamento: a Escola Austríaca, a Teoria da Escolha Pública, a Escola Elitista, o Realismo Europeu etc. Quem conhece o básico destas escolas jamais se surpreende de forma infantil quando estoura algum escândalo de corrupção.  Ao contrário, aliás: consegue enxergar atos similares à sua volta, porém tidos como perfeitamente legais.
15. A solução não é mais estado, mas sim menos concentração do poder político
Mises, Hayek, Friedman, Bauer, Becker, Colombatto, Blattman, Wallis, Anne-Krueger e muitos outros mostram que há uma correlação positiva entre corrupção e intervencionismo: mais protecionismo, mais burocracia, mais regulamentação; mais intervencionismo, mais poder político, mais arbitrariedade — tudo isso necessariamente gera mais corrupção.
Quanto maior a concentração de poder político, maior a corrupção.
Vale repetir a frase de O'Rourke: "Quando comprar e vender se tornam atos controlados pela legislação, a primeira coisa a ser vendida e comprada são os legisladores".
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